O Santo António de Lisboa, também conhecido como Santo António de Pádua, acaba de ganhar uma representação, feita a partir de métodos científicos, que seria o seu mais fidedigno retrato em vida.
A imagem, publicada esta semana na revista científica Digital Applications in Archaeology and Cultural Heritage, foi desenvolvida pelo designer brasileiro Cicero Moraes, em parceria com o arqueólogo italiano Luca Bezzi, do grupo de estudos arqueológicos Arc-Team, e o antropólogo italiano Nicola Carrara, responsável pelo Museu de Antropologia da Universidade de Pádua.
Criada em modelagem tridimensional, a imagem do santo representa como deveriam estar as suas feições no seu último ano de vida, ou seja, a de um homem branco europeu na casa dos 40 anos com um quadro de obesidade provavelmente decorrente de hidropisia, uma acumulação anormal de fluidos nas cavidades naturais do corpo.
Diversas documentações antigas atestam que o Santo António sofreu com esse quadro de saúde no final da vida. Na realidade, a hidropisia era como, em tempos de medicina precária, eram descritas uma série de patologias que causam edemas generalizados.
É citada na Bíblia, no Evangelho de Lucas, e também na obra “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri. Provavelmente, o religioso tinha insuficiência cardíaca congestiva, que acarreta sérios problemas circulatórios.
A representação de António também procurou enfatizar um certo aspeto envelhecido, decorrente da sua vida de mortificações de caráter religioso, os intensos jejuns a que se submetia e a alimentação pobre em ferro.
Características físicas do santo
Além de diversas fontes bibliográficas, o designer teve acesso ainda a relatórios médicos obtidos a partir de uma exumação científica realizada, a mando do Vaticano, em 1981 dos restos mortais de António, sepultado na basílica erguida em sua honra em Pádua, no norte de Itália.
No artigo publicado esta semana, citam-se alguns dados curiosos desses relatórios, como o facto de que “o santo tinha um volume cerebral bem acima da média atual” e também de que “a sua altura andava em torno de 1,70 m”.
“Nenhum sinal visível de cárie foi encontrado nos dentes, que estavam em boas condições, contendo apenas uma periodontite nos incisivos”, diz o texto.
“A análise das coroas dentárias e atrofias das bordas alveolares indicaram uma idade de 35 a 40 anos, com idade à morte medida em 40 anos e dois meses“, prossegue o artigo.
A exumação realizada há 40 anos também revelou “a presença de cribra orbitalia”, uma lesão óssea que “poderia indicar deficiência de ferro na dieta”.
“O santo também tinha um quadro de osteoartrite no quadril, que não evoluiu a ponto de lhe causar grandes problemas”, aponta ainda o documento recém-publicado.
A idade da morte
Conforme enfatiza o artigo recém-publicado, a partir dos relatórios da equipa médica que realizou a exumação em 1981, tudo indica que Santo António morreu aos 40 anos.
Esta informação é muito importante quando se pretende traçar, com correção, uma biografia precisa acerca da figura religiosa.
Isto porque, oficialmente, o santo — cujo nome de batismo era Fernando, tendo assumido a identidade de António apenas depois de abraçar a vida religiosa — nasceu em Lisboa, em agosto de 1195.
Contudo, num tempo de parcos registos, não há documento conhecido que ateste a sua data de nascimento. Foi uma informação que chegou até aos dias atuais por tradição religiosa, e não por lastro documental.
Entretanto, como alguns investigadores da vida do santo já apontavam, considerar o seu nascimento em 1195 causa algumas estranhezas em datas, estas sim documentadas, da sua vida adulta.
“Como a data da morte é extensamente registada e comprovada [13 de junho de 1231], a hipótese mais aceite é de que tenha nascido alguns anos antes, muito provavelmente no fim dos anos 1180″, lê-se num livro do jornalista Edison Veiga, sobre Santo António.
“Esse retrocesso cronológico torna muito mais verossímeis as outras passagens consideradas corretas da sua biografia — como a idade com que entrou na vida religiosa, quando tentou pregar em Marrocos, quando chegou a Itália e quando viveu em França”, conclui o trecho do livro.
Esta não é a primeira vez que Cicero Moraes reconstrói o rosto de antigas personalidades históricas.
Alguns exemplos recentes do seu trabalho são a cara do primeiro imperador do Brasil, D. Pedro I, e da mulher mais antiga das Américas, Eva de Naharon.
ZAP // BBC