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Reconstituição mostra verdadeiro rosto de D. Pedro I (com o nariz partido)

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(dr) Cícero Moraes

Reconstituição do verdadeiro rosto de Dom Pedro I

A despeito da imagem de sedutor e galã, o primeiro imperador do Brasil, Dom Pedro I, não era tão elegante como ilustram as pinturas oficiais daquele tempo, que estampam livros escolares.

A reconstrução realista da face do primeiro Imperador do Brasil, D. Pedro I, também Rei de Portugal e Algarves como D. Pedro IV entre março e maio de 1826, é resultado de um projeto idealizado pelo advogado brasileiro José Luís Lira.

A inédita reconstituição facial feita em 3D a partir de fotografia do crânio do monarca mostra um homem com o nariz com uma deformidade em decorrência de uma suposta fratura ocorrida em vida, que não teria sido tratada de maneira adequada e que nunca foi descrita na literatura especializada.

Lira adquiriu os direitos sobre uma fotografia tirada em 2012, quando os restos mortais do imperador foram exumados da cripta localizada no bairro do Ipiranga, zona sul de São Paulo, para um estudo científico realizado pela Universidade de São Paulo, no Brasil.

Devidamente autorizado pela Casa Imperial do Brasil – cujos representantes, herdeiros de Dom Pedro I, zelam pela sua memória -, convidou o designer Cícero Moraes para realizar o trabalho de reconstituição.

As imagens foram encaminhadas para o perito legista Marcos Paulo Salles Machado, chefe do Serviço de Antropologia Forense do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro.

Sem saber que se tratava do crânio de D. Pedro, o perito estimou a idade como se tratando de um adulto jovem – o primeiro imperador do Brasil morreu em 1834, pouco antes de completar 36 anos – de origem europeia. E cravou que o mesmo tinha sofrido uma fratura no nariz.

“O crânio tem uma deformação nos ossos nasais que sugere uma lesão, fruto de ação contundente da esquerda para a direita. Pode ter batido com o nariz e sofrido uma pequena fratura nessa região“, explicou o perito à BBC.

De acordo com o escritor e investigador Paulo Rezzutti, autor da biografia “D. Pedro: a História Não Contada – o Homem Revelado por Cartas e Documentos Inéditos”, não há nenhum registo de que o monarca tenha partido o nariz em vida. Mas quedas de cavalo eram comuns na vida atribulada do imperador.

O imperador sofreu uma queda feia em 1824. E, alguns anos depois, teve um acidente ainda mais grave de carruagem na Rua do Lavradio, no Rio de Janeiro”, pontua o biógrafo.

Maurício de Paiva / National Geographic (via José Luís Lira)

Crânio de Dom Pedro I

Reconstrução

Lira conta que tomou a iniciativa de conduzir a reconstrução facial do imperador por admirar a sua biografia, de “um liberal para a sua época, defensor do pensamento constitucional em detrimento do absolutismo que então reinava”.

O advogado conta que desde 2015 tem conversado com o tetraneto de Pedro I, Bertrand de Orleans e Bragança, de quem obteve a autorização para realizar o procedimento a partir de imagens recolhidas durante a exumação do imperador, em 2012.

“É uma alegria poder fazer com que toda a gente conheça a verdadeira face do homem que proclamou a Independência do Brasil e foi o nosso primeiro imperador”, afirmou o brasileiro.

O processo de reconstrução foi um pouco diferente do convencional, já que Moraes contava com apenas uma imagem. “Entretanto, a superfície que sustenta o crânio é reflexiva, por isso é como se tivéssemos duas imagens. Com duas imagens podemos fazer triangulações tridimensionais e obter pontos importantes do crânio”, explica.

“O que fiz foi utilizar um dador virtual, ou seja, um crânio tridimensional de outro indivíduo, e adaptar a estrutura deste dador ao crânio de Dom Pedro I. No fim do processo consegui fazer um match entre a foto e o modelo 3D.”

O designer avalia que o imperador “era um homem de aparência agradável”. Mas ressalta o “nariz assimétrico”. “Essa assimetria é bastante atenuada quando a captura da face é feita levemente pela lateral”, sugere.

“Gente como a gente”

De certa forma, a face realista de D. Pedro I pode corroborar mais ainda a noção popular que era um homem muito mais próximo do povo do que da nobreza.

Segundo o seu biógrafo Paulo Rezzutti, é essa característica popular que faz de D. Pedro um personagem tão simpática do imaginário brasileiro. “Porque foi, como o caipira diz, ‘gente como a gente, de bunda atrás e nariz na frente'”, afirma.

“D. Pedro foi criado nas ruas do Rio de Janeiro, com o povo, gostava de música e de farra, como qualquer adolescente até hoje. O problema é que foi mulherengo a vida toda e isso deixou marcas profundas na forma como as pessoas passaram a vê-lo.”

Investigadores costumam concordar que o grande legado de D. Pedro I ao Brasil – além, é claro, da própria independência – foi a Constituição de 1824, a primeira do país. “Nela, são vistos os ideais liberais de D. Pedro I. E durou até à queda da monarquia, em 1889 – é a Constituição mais longeva que o Brasil já teve“, conta Rezzutti.

“A Constituição de 1824 mostra, de forma explícita, o seu interesse pela educação, em que determinava que deveria ser dada a todos, independente de cor, religião, credo ou posição social. A criação dos cursos Jurídicos no Brasil, em 1827, foi obra da sua gestão como imperador do Brasil.”

“O maior legado de D. Pedro I para o Brasil foi a Constituição de 1824”, concorda a historiadora Isabel Lustosa, autora de “D. Pedro I – Um Herói Sem Nenhum Caráter”.

“Apesar de ter sido uma constituição outorgada, quer dizer, dada pelo imperador à nação, depois de ter dissolvido a Assembleia Constituinte em novembro de 1823, adotar uma forma de governo constitucionalista num ambiente internacional dominado pela Santa Aliança foi uma atitude revolucionária. Foi uma constitucional liberal e avançada para o tempo, incluindo direitos e garantias individuais.”

Orleans e Bragança, o tetraneto do imperador, é de opinião semelhante. “D. Pedro I é o responsável pela nossa unidade territorial – e também política, psicológica e social. Além da Independência, também nos legou a Constituição de 1824, que não era casuística como a atual Constituição Brasileira”, diz.

Enquanto fazia a imagem de D. Pedro, o designer Moraes pensava na proximidade que um personagem de tal dimensão tem na vida do brasileiro. “É como um amigo, um parente, alguém que conviveu com a gente em parte considerável da vida”, comenta, lembrando que imagens do imperador são mostradas na escola e em produções da cultura pop.

ZAP // BBC

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