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Vacina russa para a covid-19 preocupa cientistas. País pode estar a saltar etapas

Mahmoud Khaled / EPA

Países de todo o mundo continuam na corrida por uma vacina contra a covid-19. A Rússia diz estar prestes a anunciar a vacina, deixando preocupada a comunidade científica, ao passo que Itália avança para os testes em humanos.

A Rússia anunciou estar prestes a ser o primeiro país a aprovar uma vacina contra a covid-19 e planeia vacinações em massa já em outubro, ainda que sem completar os ensaios clínicos, o que está a preocupar cientistas. Cientistas de vários países dizem que a corrida precipitada às vacinas contra o novo coronavírus, que provoca a doença covid-19, pode ter um efeito negativo, noticia esta sexta-feira a agência de notícias AP.

As vacinas experimentais covid-19 começaram a ser testadas pela primeira vez em humanos, em algumas dezenas de pessoas, há menos de dois meses, pelo que não há ainda provas científicas que as validem e muito menos a sua distribuição em massa.

“Preocupa-me que a Rússia esteja a saltar etapas pelo que a vacina que aí vem pode não ser eficaz, mas também ser insegura”, disse Lawrence Gostin, especialista em direito de saúde pública da Universidade de Georgetown (Washington, Estados Unidos). “Não funciona assim… Os ensaios veem primeiro. Isso é muito importante”, disse.

Segundo Kirill Dmitriev, chefe do Fundo de Investimento da Rússia, que financiou a investigação, a vacina desenvolvida pelo instituto de investigação Gamaleya, em Moscovo, pode ser aprovada em dias, antes de os cientistas completarem a chamada Fase 3 do estudo. Esse estudo por norma envolve milhares de pessoas e é a única forma de se provar que a vacina experimental é segura e funciona.

O ministro da Saúde russo, Mikhail Murashko, disse que as pessoas dos grupos de risco, como os trabalhadores da área da saúde, podem ter a vacina ainda este mês. Mas não esclareceu se essas pessoas fazem parte da Fase 3 do estudo. A vice-primeira-ministra, Tatyana Golikova, prometeu iniciar a “produção industrial” da vacina em setembro, e Murashko disse que a vacinação em massa pode começar já em outubro.

Fauci questionou processo

Na semana passada Anthony Fauci, o maior especialista norte-americano em doenças infecciosas, já tinha questionado o processo, afirmando esperar que chineses e russos estejam na realidade a testar uma vacina antes de a administrarem em pessoas, porque ao contrário seria “problemático”.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) já alertou que todos os candidatos a uma vacina devem passar pelas fases completas de todos os testes.

Lawrence Gostin disse também que oferecer um composto não seguro aos trabalhadores médicos da “linha da frente” pode piorar a situação. “E se a vacina começasse a matá-los, ou a colocá-los muito doentes?”, questionou.

Svetlana Zavidova, diretora executiva da Associação de Ensaios Clínicos da Rússia, disse, citada pela AP: “São necessários vários anos para desenvolver qualquer medicamento. Vender algo que o [instituto] Gamaleya testou em 76 voluntários durante os ensaios da Fase 1 e Fase 2 como um produto acabado não é sério”.

De acordo com a AP, a Rússia ainda não publicou dados científicos dos seus primeiros ensaios clínicos, e na lista de vacinas candidatas da OMS em testes em humanos continuar a aparecer o produto Gemaleya como estando nos ensaios da Fase 1.

A agência de notícias conclui que ainda não é claro se os ensaios da Fase 3, que deverão ser realizados após a vacina receber “aprovação condicionada”, terminarão em outubro, quando as autoridades de saúde planeiam começar a vacinação em massa, e quão fidedignos serão os resultados. O estudo envolverá supostamente 1.600 participantes, 800 para cada uma das formas de vacina. Em comparação um ensaio semelhante de Fase 3 nos Estados Unidos inclui 30.000 pessoas.

Itália também está na corrida

Uma vacina italiana contra o novo coronavírus vai começar a ser testada em humanos a partir de 24 de agosto no Instituto Nacional de Doenças Infeciosas Lazzaro Spallanzani, em Roma, que procura 90 voluntários.

Criada, produzida e patenteada pela empresa de biotecnologia ReiThera, a vacina já foi submetida a testes pré-clínicos ‘in vitro’ e em animais, e o diretor médico do instituto sediado na capital de Itália, Francesco Vaia, assumiu ter a “sensação” de estar perante o “início do fim” da batalha contra a pandemia de covid-19 naquele país.

É uma emoção intensa. Hoje temos a sensação de estar no início do fim desta batalha amarga e dura que todos os italianos estão a travar há algum tempo”, comentou.

Os primeiros resultados dos ensaios pré-clínicos evidenciaram uma forte resposta imunitária e um bom perfil de segurança da vacina, anunciou a região administrativa de Lácio, que tem Roma como capital e que financiou a vacina com 5 milhões de euros.

Já o Ministério da Universidade e Investigação atribuiu ao projeto três milhões de euros, e o seu líder, Gaetano Manfredi, aplaudiu o início dos testes como exemplo de “uma Itália que trabalha em equipa para o bem de todos os cidadãos”.

ZAP // Lusa

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