Em férias na Croácia, o britânico Paul Boulding tomava um banho de mar com a sua mulher, Kirsty, quando aconteceu algo de estranho. Ao sair da água, disse à esposa: “Não sei onde estou, não sei o que está a acontecer, não sei porque estamos aqui”.
“Percebi que alguma coisa má estava a acontecer”, conta agora à BBC Paul, mas sem se lembrar de mais nada do que sucedeu naquele dia, nas seis horas que se seguiram depois de sair da água.
“Para mim foi um choque. Aconteceu muito de repente e ele não conseguia entender o que estava a acontecer”, descreve Kirsty.
“Começa-se a pensar em tudo. A primeira coisa que me perguntei é se ele não estaria a ter um derrame, mas não tinha outros sintomas. Cheguei a cogitar também que seria um tipo devastador de demência, porque veio em duas etapas: inicialmente, era ‘não sei onde estou’, afirmou a mulher.
“Em seguida, ao pedir para ir para a sombra, percebi que ele sabia quem era, quem eu era e onde morávamos… Mas tinha perdido a memória dos últimos dez dias, do tempo em que estivemos na Croácia”, recorda-se.
“Depois, percebi que, além disso, ele não conseguia registar qualquer memória nova do que estava a acontecer: ficava a repetir-me perguntas”, acrescenta Kirsty.
Foi então que, a meio da tarde, Paul perguntou a Kirsty sobre “aquela caminhada” que iam dar e terá sido nesse momento que o quadro começou a reverter-se. O casal tinha falado sobre esse passeio no dia anterior.
Aos poucos, Paul começou a lembrar-se do que tinham feito durante os dez dias em que estiveram na Croácia, mas a memória do que aconteceu, nesse período de seis horas, entre a metade da manhã e o meio da tarde, nunca mais voltou. Até hoje, há essa lacuna na sua memória.
Ataque de amnésia
“O que Paul descreveu é um exemplo clássico de amnésia global transitória“, explica à BBC Adam Zeman, professor de Neurologia Cognitiva e Comportamental da Universidade de Exeter, em Inglaterra.
Trata-se da perda súbita, temporária e quase total de memória de curto prazo quando esta não está ligada a outras condições neurológicas comuns, como um acidente vascular cerebral ou crises de epilepsia.
Acredita-se que o que ocorre durante estes ataques é que “o hipocampo, parte do cérebro envolvida na fixação e consolidação de memória de curto prazo, é desligado por um período de várias horas”, sublinha o professor.
“Por isso, é impossível armazenar novas memórias durante esses episódios e também há um impacto sobre as memórias mais recentes”, acrescenta Zeman.
As crises transitórias de amnésia atingem, todos os anos, uma em cada 10 mil pessoas, ou seja, não são ocorrências assim tão raras.
Amnésia misteriosa
Um dos mistérios que ronda esta condição neurológica é que ela normalmente não se repete. Segundo Zeman, a taxa de recorrência é muito baixa, mas não se sabe porquê.
Estas crises de amnésia temporária costumam ser desencadeadas por stress físico ou psicológico e, segundo o especialista, tomar banho de água gelada é um dos gatilhos mais conhecidos. A imersão súbita na água quente, um esforço físico formidável e receber más notícias são outros factores.
Há também indícios, de acordo com Zeman, de que pessoas mais propensas a sofrer de ansiedade correm mais risco de desenvolver amnésia global transitória.
“Ainda não está claro o que acontece exactamente no hipocampo, num episódio de amnésia global transitória. Inicialmente, acreditava-se que a crise poderia estar relacionada com epilepsia, com um ‘mini-derrame’ cerebral ou enxaqueca, mas depois vimos que se tratava de uma síndrome distinta”, acrescenta.
Diagnosticar alguém que está a sofrer um ataque de amnésia transitória pode ser difícil. Mas, em geral, se está a ter um derrame ou uma crise de epilepsia deve apresentar outros sintomas.
Num caso como o de Paul, os pacientes devem procurar um médico para avaliar a sua condição cardiovascular e descartar um “mini-derrame cerebral”, conhecido como ataque isquémico transitório, que ocasionalmente pode provocar amnésia.
Desde o episódio na Croácia, Paul não voltou a ter qualquer problema de memória.
ZAP // BBC
