“Um acaso incrível”. Cientistas estudam Alíria Rosa, a mulher que escapou ao Alzheimer

ZAP // NightCafe Studio

Uma equipa internacional de investigadores está a fazer progressos na compreensão dos mecanismos subjacentes à doença de Alzheimer, em particular uma forma genética de início precoce que tem afetado gerações de uma família colombiana.

Investigadores da Universidade da Califórnia, em Santa Bárbara (UCSB), juntamente com colegas na Colômbia, Brasil e Alemanha, conduziram um estudo alargado sobre a família de Alíria Rosa, uma colombiana que conseguiu vencer todas as probabilidades — e sobreviver à doença de Alzheimer.

Os resultados do estudo foram recentemente apresentados num artigo publicado na revista Neuron.

Quais eram as probabilidades?“, interroga-se Kenneth S. Kosik, neurocientista da UCSB  e autor principal do artigo, citado pelo Sci Tech Daily. “É um acaso inacreditável”.

Kosik colabora há décadas com o neurocientista colombiano Francisco Lopera no estudo de uma família das comunidades rurais de montanha nos arredores de Medellín,  cujos membros começam a apresentar os sinais da demência de Alzheimer, com a precisão de um relógio, a partir dos 40 anos.

Os testes genéticos conduzidos pelos dois investigadores revelaram que todos os membros da família são portadores de uma mutação, chamada “mutação Paisa” no seu gene PSEN1.

A mutação, designada E280A, está associada ao desenvolvimento acelerado de placas aderentes entre os neurónios que, de outra forma, se desenvolveriam mais tarde na vida.

Estas placas, para além dos emaranhados de uma proteína estrutural mal dobrada no interior dos chamados “neurónios tau”, são as marcas da doença de Alzheimer.

O que torna esta família importante, para além da sua heróica determinação de colaborar com os investigadores, é o facto de ser a maior família conhecida no mundo com doença de Alzheimer autossómica dominante, o que significa que basta um progenitor com a mutação para a transmitir.

“Pode pensar-se que a doença de Alzheimer é basicamente de dois tipos”, explica Kosik. “É mais complexo do que isso, mas, para começar, há famílias em que a doença é claramente genética – quem tem a mutação, tem a doença. E há todos os outros casos, a que chamamos esporádicos”.

“Por isso, a questão é: existe alguma diferença que possamos detetar entre os casos que são fortemente genéticos e os casos em que outros factores podem estar envolvidos?” explica Kosik.

“Se alterarmos os nossos genes de duas formas diferentes, uma com uma mutação da altura da conceção e as outras do nosso pequeno risco e estilo de vida, trata-se do mesmo conjunto de genes ou de conjuntos diferentes?”, questiona o neurocientista.

Acontece que há diferenças.

Usando a chamada sequenciação de núcleo único, que permite aos investigadores ver que genes são activados ao nível de cada célula, Camila Almeida, também investigadora da UCSB e primeira autora do estudo,  sequenciou os genes de células cerebrais com Alzheimer genético.

Esta análise permitiu aos investigadores comparar as sequências genéticas dos membros da família colombiana com as de um grupo de controlo sem Alzheimer e com as de um grupo com Alzheimer esporádico.

Entretanto, a sua colega Sarah Eger fez o trabalho estatístico pesado — que permitiu aos investigadores contextualizar os dados.

Uma destruição incompleta

“Há uma diferença. Se tivermos uma mutação que causa a doença de Alzheimer, temos uma ativação preferencial em muitos tipos de células diferentes – neurónios, astrócitos e outras células – que activam um sistema de autofagia envolvido na recolha de proteínas que são más, que estão mal dobradas, que podem estar a contribuir para a doença, e a sua destruição”, diz Kosik.

Isto significa que o corpo está de alguma forma alertado para estas proteínas defeituosas e inicia um sistema de destruição de proteínas, que é uma função normal e protetora do corpo — embora a resposta compensatória acabe por não ser bem sucedida.

“A mutação está a produzir uma proteína que não é normal, pelo que a célula ativa estes outros genes para destruir a proteína mutante, mas não funciona”, explica Kosik.

Nos casos esporádicos, o mesmo sistema é ativado, mas em menor grau. “Provavelmente, há algo mais complicado a acontecer e que ainda não compreendemos totalmente”, afirmou.

Estas descobertas implicam que, uma vez que os processos e padrões genéticos nos casos autossómicos dominantes são bastante distintos dos envolvidos nos casos esporádicos, os tratamentos e terapias para a versão genética da doença de Alzheimer podem não ser eficazes para os casos esporádicos, e vice-versa.

Este facto é importante, uma vez que os ensaios clínicos de potenciais fármacos para a doença de Alzheimer foram testados em populações como a da família Colômbia.

“Diria que temos de ter cuidado ao extrapolar os resultados dos ensaios clínicos da família colombiana, porque os mecanismos da doença são um pouco diferentes”, disse Kosik.

Um fugitivo raro

A maldição do Alzheimer atinge então os membros desta família colombiana, com a precisão de um relógio, quando atingem os 40 anos.

E depois há Aliria Rosa Piedrahita de Villegas.

Aliria Rosa não sai aos seus. Tem a mesma mutação que os restantes membros da família, mas desafiou as probabilidades, e viveu até aos 70 anos sem desenvolver a demência que se abate inexoravelmente sobre os familiares.

A forma como esta mulher notável conseguiu escapar à doença, apesar de ter a mutação PSEN1 E280A, continua a ser um mistério.

A família doou o cérebro de Alíria Rosa à ciência. Kosik e a sua equipa estão agora entre as várias colaborações em todo o mundo que estão a descobrir pistas sobre a forma como conseguiu essa proeza, e quando os investigadores examinaram o seu tecido cerebral, uma pista surgiu.

Embora Aliria tivesse a mesma produção excessiva de placas senis que o resto da família, os emaranhados de proteína tau mal dobrada que normalmente acompanham as placas no córtex frontotemporal dos doentes de Alzheimer eram relativamente escassos, mantendo intactas coisas como as capacidades motoras e a função executiva.

Alíria dissociou as duas patologias e, por ter as placas mas não os emaranhados, foi poupada à demência”, explica Kosik. “As pessoas podem tolerar uma grande quantidade de placas amilóides como ela tolerava, mas quando se formam os emaranhados, estamos em grandes apuros“.

Outra linha de investigação promissora reside numa segunda mutação, também rara, encontrada nas células da doente, chamada variante Christchurch, cujo nome deriva da cidade da Nova Zelândia onde foi originalmente encontrada.

Esta é uma mutação num gene que produz lipoproteínas, chamado APOE (apolipoproteína E), que por sua vez produz uma proteína que transporta gorduras e colesterol através da corrente sanguínea.

“Alíria tinha um gene ativado, chamado LRP1 que mais ninguém tinha — nem nas pessoas com as mutações, nem sequer na população esporádica”, explica Kosik.

Os investigadores ficaram “perplexos e espantados” quando o identificaram, porque no mundo da doença de Alzheimer, o LRP1 teria provavelmente o papel vilão, codificando um recetor com o mesmo nome na superfície das células que se liga à APOE, mas que também absorve a tau nas células.

Estudos anteriores do grupo de Kosik revelaram que a supressão do LRP1 em ratinhos também reduziu as hipóteses de a tau patológica ser absorvida pelos neurónios, que teriam então replicado as proteínas mal dobradas e continuado o processo de neurodegeneração.

“Mas era a nossa forma de pensar que estava errada, e não a natureza“, disse Kosik. “Porque, afinal, o LRP1 não estava aumentado em todos os tipos de células”.

De facto, só há um aumento nos astrócitos, células em forma de estrela com funções neuroprotectoras. “O que eles provavelmente fazem é destruir o tau“, explicou Kosik.

“Por isso, a nossa hipótese agora é que a razão pela qual ela estava protegida era porque, graças ao LRP1, os astrócitos podiam absorver mais tau e destruí-la, impedindo-a de se espalhar”.

Quais eram as probabilidades?

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.