Os tubarões “congelam” quando são virados de cabeça para baixo. Ninguém sabe porquê

Quando são virados de barriga para cima, várias espécies de tubarões “congelam” e fingem que estão mortas. Uma nova pesquisa aponta que este comportamento é plesiomórfico.

Imagine ver o seu documentário de natureza favorito. O predador lança-se rapidamente do esconderijo, com as mandíbulas escancaradas, e a presa… de repente fica inerte. Parece morta.

Para alguns animais, esta resposta de imobilização — chamada “imobilidade tónica” — pode ser uma tábua de salvação. Os gambás são famosos por “fingirem-se de mortos” para evitar predadores. O mesmo fazem coelhos, lagartos, cobras e até alguns insetos.

Mas o que acontece quando é um tubarão a fazê-lo?

Num estudo recente publicado na Reviews in Fish Biology and Fisheries, os investigadores exploraram este comportamento estranho em tubarões, raias e nos seus parentes próximos. Neste grupo, a imobilidade tónica é desencadeada quando o animal é virado de barriga para cima — deixa de se mover, os músculos relaxam e entra num estado semelhante ao transe. Alguns cientistas usam até esta técnica para manusear certas espécies de tubarões em segurança.

Mas por que razão acontece? E será que este comportamento ajuda realmente estes predadores marinhos a sobreviver?

O mistério do “tubarão congelado”

Apesar de estar bem documentada no reino animal, a razão por trás da imobilidade tónica continua pouco clara — especialmente no oceano. Geralmente, é vista como uma defesa contra predadores. Mas nos tubarões não há provas que sustentem esta ideia, e existem hipóteses alternativas.

Os autores testaram 13 espécies de tubarões, raias e uma quimera — um parente próximo dos tubarões, vulgarmente chamado “tubarão-fantasma” — para ver se entravam em imobilidade tónica quando eram suavemente virados de barriga para cima, debaixo de água.

Sete espécies apresentaram esse comportamento, mas seis não. Depois foram analisados estes dados usando ferramentas evolutivas, para mapear o comportamento ao longo de centenas de milhões de anos da história evolutiva dos tubarões.

Então, por que razão alguns tubarões “congelam”?

Existem três hipóteses principais para explicar a imobilidade tónica nos tubarões:

  1. Estratégia anti-predador — “fingir-se de morto” para evitar ser comido

  2. Função reprodutiva — alguns machos viram as fêmeas durante o acasalamento, e a imobilidade poderia reduzir a resistência

  3. Resposta a sobrecarga sensorial — uma espécie de “desligamento” perante estímulos extremos

Os resultados não apoiam nenhuma destas explicações.

Não há provas de que os tubarões beneficiem de ficarem imóveis quando atacados. Na verdade, predadores como as orcas exploram esta resposta virando os tubarões de barriga para cima para os imobilizar e depois retirarem os seus fígados ricos em nutrientes — uma estratégia mortal.

A hipótese reprodutiva também não se sustenta. A imobilidade tónica não difere entre sexos, e permanecer imóvel pode tornar as fêmeas vulneráveis a acasalamentos forçados ou agressivos.

E a sobrecarga sensorial? Ainda não foi testada nem confirmada. Por isso, é proposta uma explicação mais simples: a imobilidade tónica nos tubarões é provavelmente um vestígio evolutivo.

Uma herança da evolução

A análise sugere que a imobilidade tónica é “plesiomórfica” — um traço ancestral que esteve provavelmente presente nos antigos tubarões, raias e quimeras. Mas à medida que as espécies evoluíram, muitas perderam este comportamento.

De facto, a imobilidade tónica foi perdida de forma independente pelo menos cinco vezes em diferentes grupos. O que levanta uma questão: porquê?

Em certos ambientes, “congelar” pode ser uma má ideia. Pequenos tubarões de recife e raias que vivem no fundo do mar costumam esgueirar-se por fendas estreitas em recifes de coral quando se alimentam ou descansam. Ficar inerte nesses espaços pode fazê-los ficar presos — ou pior. Isso significa que perder este comportamento pode ter sido vantajoso para essas espécies.

O que significa tudo isto?

Em vez de uma táctica de sobrevivência engenhosa, a imobilidade tónica pode ser apenas “bagagem evolutiva” — um comportamento que já teve utilidade, mas que agora persiste em algumas espécies simplesmente porque não causa mal suficiente para ser eliminado pela seleção natural.

É um bom lembrete de que nem todas as características da natureza são adaptativas. Algumas são apenas curiosidades históricas.

O novo trabalho ajuda a desafiar suposições antigas sobre o comportamento dos tubarões e lança luz sobre as histórias evolutivas escondidas nas profundezas do oceano. Da próxima vez que ouvir falar de um tubarão a “fingir-se de morto”, lembre-se — pode ser apenas memória muscular de um passado muito, muito distante.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.