Sem esperança no amanhã e desiludida com os líderes do país e com a República Islâmica, a juventude iraniana transgride as apertadas regras religiosas do país, numa postura desafiante que se faz na “sombra” e que muitos acreditam que pode ajudar a mudar o regime.
No Irão, um país com mais de 81 milhões de habitantes, 70% da população é constituída por jovens com menos de 35 anos de idade que nunca conheceram outra realidade a não ser a República Islâmica que vigora há 40 anos – mais de dois terços da população têm menos de 40 anos.
Nos tempos da globalização e numa altura em que o país do Médio Oriente atravessa uma situação financeira catastrófica, agravada pelas sanções impostas pelos EUA, depois da saída unilateral do acordo nuclear em Maio de 2018, há muita coisa que faz falta aos jovens do Irão. E não é apenas emprego e boas condições financeiras.
A juventude iraniana anseia por viver o mundo dos jovens ocidentais, mas no dia-a-dia imperam as dificuldades até para pagar comida e não há acesso a certos produtos.
A moeda iraniana tem vindo a desvalorizar (o rial perdeu mais de 60% do seu valor nos últimos anos) e a taxa de desemprego anda nos 40%. E a inflação pode disparar para os 40% até ao fim do ano – em 2016, no rescaldo da assinatura do acordo nuclear de 2015, entre o Irão e os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China) e a Alemanha, situava-se nos 9%.
Este cenário económico difícil ajudou a agravar as injustiças sociais e a aumentar o fosso entre ricos e pobres, o que põe a nu os clientelismos nos cargos públicos e a corrupção no uso das receitas do petróleo.
“As coisas que são proibidas nós fazemos”
Muitos jovens têm saído à rua em manifestações organizadas por estudantes, professores, operários, reformados e camionistas, apesar da alta taxa de probabilidade de acabarem detidos e até condenados à morte.
O Irão detém o recorde mundial de número de execuções por habitante, de acordo com a Amnistia Internacional que avança que, em 2018, foram detidos 7 mil manifestantes. Muitos deles foram detidos arbitrariamente e condenados a penas de prisão, de flagelação e mesmo à morte.
Na sombra, muitos jovens iranianos optam por resistir ao regime violando as proibições impostas pela República Islâmica, numa atitude desafiante.
“As coisas que são proibidas nós fazemos. Não temos o direito de fumar erva, mas aqui todos os jovens o fazem”, relata ao France Culture o estudante Mahdi, de 19 anos.
Já Arash, um desempregado de 31 anos, revela à publicação francesa que o Tinder “é interdito”, mas que “os jovens iranianos contornam facilmente os obstáculos” para o poderem usar como “forma de matar o tempo num clima sombrio”.
“A cólera popular vai explodir”
“A situação económica está muito difícil há vários anos” e “os jovens não têm esperança”, lamenta Arash, desabafando que “o governo e o regime em vigor não entendem a juventude” e que “há um abismo entre as autoridades e o que as pessoas esperam”.
É nesse abismo que muitos jovens acabam a refugiar-se no álcool e na droga, também como forma de transgressão contra a República Islâmica.
“A procura por drogas está a aumentar. No Irão, não há entretenimento para os jovens, excepto o cinema. É por isso que eles usam drogas ou consomem álcool”, aponta em declarações ao Le Figaro Javad, de 26 anos, empregado num supermercado e pequeno traficante de droga em Karaj, “cidade dormitório” a cerca de 50 km da capital Teerão.
Para as jovens raparigas, a revolta passa também pela liberdade de vestir o que lhes apetece contra a imposição do véu e das vestes escuras. Algumas têm protestado em frente a mesquitas retirando o véu em sinal de desafio.
O que é certo é que “a juventude iraniana aspira por uma mudança“, como escreve o estudante e activista iraniano Sourosh Abouthalebin que frequenta a Universidade Saint-Louis de Bruxelas, na Bélgica, num artigo no jornal belga Le Soir. “A cólera popular vai explodir no Irão”, acredita Abouthalebin.
“Temos uma história de 10 mil anos e nunca provamos a democracia. Gostaríamos de experimentar isso, viver o que vocês têm noutras partes do mundo”, aponta ainda Aria, um licenciado desempregado de 29 anos, em declarações à France Culture.