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Ministra da Saúde timorense ordena apagar referências a uso de preservativos em cartazes

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A ministra da Saúde timorense ordenou retirar a recomendação de uso de preservativo em cartazes distribuídos pelo país para marcar o Dia Mundial de Luta contra a SIDA, por oposição “moral” ao que considera ser “sexo livre”.

Fontes do Ministério da Saúde confirmaram à Lusa que Odete Belo deu instruções para que fossem eliminadas dos cartazes as palavras “usa preservativo”, após ter feito essa recomendação em declarações públicas em Díli.

As mesmas fontes explicaram que Odete Belo declarou num fórum com estudantes na capital timorense a sua oposição, que era “contra”, e que “as pessoas iam apagar dos cartazes o preservativo”.

Odete Belo, que a Lusa tentou contactar várias vezes sem sucesso, terá ainda dito que “os jovens têm que se deitar cedo e não andar para aí a ter sexo livremente”.

Vídeos e fotos enviados à Lusa mostram pessoas a pintar com tinta preta as palavras “usa preservativo” em alguns cartazes.

A posição, que vai contra as recomendações gerais internacionais e contra as posições defendidas por organizações nacionais e internacionais que trabalham neste setor, ilustra a postura dos anteriores responsáveis da Comissão Nacional de Luta contra a SIDA, que adotaram uma postura ultra conservadora sobre o assunto.

Apesar de algumas melhorias nos últimos anos, as questões sexuais são ainda um assunto quase tabu em Timor-Leste, onde as tradições e a religião travam muitas das ações de prevenção, como saúde sexual ou até a distribuição de métodos de proteção, como preservativos.

A própria Comissão Nacional de Luta Contra a SIDA (CNCS), liderada até recentemente por um pastor protestante, é acusada de políticas desadequadas, não promovendo o uso de preservativos por toda a população, visando apenas populações consideradas de risco ou doentes já seropositivos.

Daniel Marçal, responsável da comissão, afirmou publicamente que a dança angolana quizomba, uma das mais populares no país asiático, “estraga o futuro dos jovens” que a praticam.

Uma deputada do CNRT, Bendita Moniz Magno, chegou no passado a afirmar que a rede social Facebook está a contribuir para o aumento da sida em Timor-Leste porque permite mais contactos entre os jovens.

Mais do que posturas conservadoras, críticos apontam o facto da CNCS ter deixado de fazer a recomendação do uso de preservativos, optando por medidas de promoção do “autocontrolo”.

Esta postura é criticada por funcionários da saúde e representantes de algumas organizações da sociedade civil que apontam para o aumento de doenças de transmissão sexual, incluindo hepatites, e para a falta de programas adequados de prevenção.

Questionado sobre a alteração da política, Daniel Marçal explicou que se trata de “uma mudança de método”, que pretende “mudar mentalidades e hábitos” e não “estimular o pecado do sexo livre”.

Posturas conservadoras levam a que muitos jovens não tenham sequer a mínima informação sobre saúde sexual e que muitas mulheres tenham de procurar de forma escondida acesso a métodos de contraceção.

A crescente mobilidade económica da população implica que o acesso a trabalhadores sexuais, tanto em Timor-Leste como no estrangeiro, fez aumentar os riscos de DST.

Jovens, muitas vezes, admitem não ter conhecimentos sobre reprodução – sabem que estão grávidas numa fase avançada da gravidez -, com o poder masculino dominante na sociedade a ‘obrigar’ muitas vezes a mulher a ter relações sem qualquer proteção.

Um estudo recente mostra que Timor-Leste está a ver nascer uma “epidemia” de doenças sexualmente transmissíveis, especialmente HIV e sífilis, mas há ainda “uma janela de oportunidade” para, com políticas adequadas, mitigar e controlar a sua progressão.

“Os decisores e planeadores têm que garantir programas inovadores fortes, estratégicos para aumentar a prevenção, além do atual programa de testar e tratar”, refere-se no estudo ao qual a Lusa teve acesso.

“Isto requer também políticas progressivas – como preservativos – para todos e não apenas para populações alvo”, aponta-se.

Desenvolvido em colaboração entre o Ministério da Saúde timorense e a Organização Mundial de Saúde (OMS), o estudo baseia-se num inquérito e análise conduzida entre novembro de 2018 e março de 2019, com o maior número de locais de vigilância sentinela de sempre.

Os dados mostram um “forte aumento” na prevalência tanto de HIV como de sífilis, devido a um aumento no comportamento de risco das populações alvo analisadas.

ZAP // Lusa

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