Investigadores da Universidade de Coimbra apresentam um avanço significativo, com vesículas extracelulares para terapia génica.
A Doença de Machado-Joseph é uma doença degenerativa do sistema nervoso.
Tem esta designação porque, inicialmente, os pacientes estudados com a doença eram dos Açores.
Aliás, só na ilha das Flores (Açores) a doença é comum: afecta aproximadamente 1 em cada 140 adultos.
De resto, é uma doença rara – afecta entre 0,3 a 2 pessoas por cada 100 mil adultos – mas tornou-se famosa quando morreu Guilherme Karan, famoso actor brasileiro (a sua mãe tinha ascendência açoriana).
É uma doença genética que ocorre devido a uma alteração num gene específico, o ATXN3 – que origina uma forma mutada da proteína ataxina-3 que se acumula no cérebro em forma de agregados, levando a disfunção e morte neuronal.
É uma doença marcada pela falta de coordenação de movimentos musculares voluntários e pela perda de equilíbrio – além de problemas na fala, na deglutição, nos movimentos oculares e no sono. Por isso, é semelhante a Parkinson em alguns aspectos.
Não há uma terapia eficaz, ainda, para uma condição que condiciona cada vez mais a pessoa, com o passar do tempo.
Mas agora surge em Portugal um avanço significativo para tratamento desta doença.
Um novo estudo, liderado por uma equipa de investigadores do Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra (CNC-UC), apresentou uma terapia promissora.
A base é a utilização de vesículas extracelulares para terapia génica, explica a Universidade de Coimbra em informação enviada ao ZAP.
Essas vesículas (nanopartículas biológicas, produzidas naturalmente por células humanas) funcionam como sistema de entrega terapêutica de agentes silenciadores, para o cérebro.
São “pequenas ‘bolsas’ capazes de transportar material genético, como o RNA, de forma não invasiva, até ao alvo pretendido, neste caso até aos neurónios, que são uma das populações de células do cérebro mais afetadas na doença de Machado-Joseph”, explicam David Ramos e Kevin Leandro, investigadores do CNC-UC e autores do estudo.
Foram utilizados métodos de base biotecnológica para aumentar a quantidade de material terapêutico dentro das vesículas extracelulares, mais concretamente de microRNAs artificiais – pequenos fragmentos de material genético com a capacidade de silenciar genes específicos, impedindo a sua expressão.
Para direcionar os microRNAs até ao alvo terapêutico pretendido, os cientistas modificaram a superfície das vesículas extracelulares introduzindo uma proteína, chamada RVG (Rabies Virus Glycoprotein), que direciona estas partículas especificamente até aos neurónios.
As sequências silenciadoras (microRNAs) incorporadas nas vesículas extracelulares atingiram o seu alvo terapêutico, silenciando eficazmente o gene mutante associado à doença de Machado-Joseph.
É um efeito terapêutico promissor, tanto em diferentes modelos celulares como em modelos animais.
A administração diária intranasal destas vesículas num modelo animal de ratinho com doença de Machado-Joseph reduziu significativamente a expressão de espécies tóxicas de ataxina-3 mutada no cérebro dos animais.
Os autores do estudo consideram que houve avanços em três domínios científicos: o uso de vesículas extracelulares como veículo de entrega de terapias; a eficácia da tecnologia de RNAs de interferência, como os microRNAs, como ferramenta de silenciamento de genes; e o desenvolvimento de terapias génicas para a doença de Machado-Joseph utilizando a via intranasal, um método não invasivo que permite administrações regulares da terapia diretamente para o cérebro.