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Teoria sobre a vida criada por cientista chileno impressionou até o Dalai Lama

O biólogo chileno Humberto Maturana, responsável pela criação da teoria “autopoiesis”, desenvolvida há quase 50 anos, influenciou uma grande quantidade de pessoas e revolucionou diferentes áreas, ao dar uma solução para uma pergunta que, até então, não tinha resposta: “o que é a vida?”.

Perguntarmo-nos sobre o que é a vida é uma prática tão antiga que parece estranho que alguém, nos dias de hoje, consiga uma resposta tão inovadora a ponto de influenciar áreas do conhecimento tão díspares como a neurociência, a sociologia, a informática, a literatura e a filosofia. Mas foi o que fez Humberto Maturana, indica um artigo da BBC, divulgado na quarta-feira.

“A pergunta básica que me fiz foi o que é estar vivo e o que é estar morto, o que precisa acontecer na sua interioridade para que eu, olhando de fora, possa decidir o que é um ser vivo”, disse o biólogo.

A teoria, criada em conjunto com o seu ex-aluno e compatriota Francisco Varela e publicada numa série de trabalhos no início da década 1970, foi “revolucionária porque deu uma solução para uma pergunta que até então não tinha resposta”, indicou.

Humberto Maturana foi um dos 23 convidados pela Fundação Nobel para uma conferência que ocorreu a 19 de janeiro, em Santiago do Chile (Chile) – a primeira que a organização realizou na América Latina -, tendo sido aplaudido de pé quando subiu ao palco.

O neurocientista Anil Seth, com quem o chileno dividia o painel, agradeceu a oportunidade de estar perto do “lendário biólogo”.

“Li as suas obras pela primeira vez há mais de 20 anos, quando fazia doutoramento na Universidade de Sussex, na Inglaterra, e inspirei-me no seu trabalho desde aquela época, como muitos outros cientistas no mundo”, disse Anil Seth, acrescentando que o trabalho de do biólogo “é um maravilhoso exemplo do legado da ciência chilena”.

A obra de Humberto Maturana concentra-se num termo que o próprio concebeu ao unir duas palavras gregas: “auto” (para si mesmo) e “poiesis” (criação).

“Os seres vivos são sistemas autopoiéticos moleculares, ou seja, sistemas moleculares que se auto-produzem, e a realização dessa produção de si mesmo como sistemas moleculares constitui a vida”, afirmou o biólogo.

Segundo a sua teoria, todo ser vivo é um sistema fechado que transforma-se continuamente, recuperando-se e mantendo-se igual quando necessita. Uma metáfora mais simples para essa ideia seria a de uma ferida que se cura sozinha, esclareceu a BBC.

A Enciclopédia Britânica, que lista a autopoiese como uma das seis principais definições científicas para a vida, explica assim a teoria dos chilenos: “Ao contrário das máquinas, cujas funções de controlo são inseridas por projetistas humanos, os organismos governam a si próprios”.

FAOALC / Flickr

O biólogo e filósofo chileno Humberto Maturana

“Os seres vivos”, acrescenta, “mantêm a sua forma mediante o contínuo intercâmbio e fluxo de componentes químicos”, que são criados pelo próprio corpo.

Humberto Maturana e Francisco Varela também explicam o que é a morte. A autopoiesis, referiu o biólogo à BBC, “tem de ocorrer continuamente, porque quando ela para, nós morremos”.

“Antes, se perguntasse a um biólogo o que é um ser vivo, ele não sabia o que responder”, acrescentou. No entanto, depois desta teoria, “viver passou a ter uma explicação”. Viver “é um fenómeno de uma dinâmica molecular que constitui entidades discretas, que são os seres vivos”, indicou Humberto Maturana, que também se define como filósofo.

De facto, as suas palavras “muitas vezes parecem mais uma reflexão intelectual sobre a vida do que uma definição científica e objetiva” sobre a mesma. O eixo da sua obra aborda um tema “tão amplo” que falar com o biólogo implica, necessariamente, “exceder o estritamente científico e entrar em questões bastante filosóficas”, lê-se no artigo da BBC.

Sobre a educação, acredita que o fundamental “é a conduta dos adultos em relação às crianças, não somente no espaço relacional e material, mas também no psíquico”. Relativamente à linguagem, não a vê como “um sistema de comunicação ou transmissão de informações”, mas sim como “um sistema de coexistência na coordenação de desejos, sentimentos e ações”.

No Instituto de Formação Matríztica, que fundou no ano 2000 com a professora Ximena Dávila, fornece consultorias de recursos humanos e relações interpessoais para empresas e indivíduos.

Centro de Innovación UC / Flickr

Ximena Dávila e Humberto Maturana, fundadores do Instituto de Formação Matríztica

É justamente essa diversidade e combinação de saberes do biólogo que atraíram a simpatia de Dalai Lama, líder religioso e político, cuja oposição à ocupação do Tibete por parte da China lhe rendeu o prémio Nobel da Paz em 1989. Há cinco anos, Humberto Maturana e Ximena Dávila visitaram-no, na índia.

No seu site, Dalai Lama descreve o biólogo como um “cientista cuja santidade sempre” cita, “uma pessoa que disse preferir não se reter apenas ao seu campo de pesquisa porque atrapalha a objetividade”.

Desse encontro, onde abordaram temas variados como o funcionamento do cérebro, a linguagem e os sentimentos de plantas e animais, Humberto Maturana recorda um diálogo particular sobre a vida.

“A conversa foi essencialmente sobre como vivemos, que tipo de vida estamos a levar e como estamos a atuar como seres humanos”, contou. “Nesse sentido, foi uma conversa filosófica e também biológica”.

Humberto Maturana detalhou: “[Dalai Lama] disse que havia aprendido comigo o tema do desprendimento, porque em algum momento havíamos conversado sobre isso”.

“Com Ximena Dávila mostramos que, nas relações humanas, o fundamental é ouvir um ao outro, mas para isso temos que deixar o outro aparecer sem pré-julgamentos, premissas ou exigências. Isso é desprendimento, segundo o Dalai Lama”, explicou.

TP, ZAP //

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