/

Temido sobre gémeas: responsável, pedido anormal e “podíamos ter feito o mesmo”

António Cotrim/LUSA

Marta Temido durante conferência de imprensa

Antiga ministra da Saúde garantiu que as crianças não tiveram acesso facilitado ao medicamento: “Tiveram o acesso que tinham de ter”.

A antiga ministra da Saúde, Marta Temido, garantiu nesta sexta-feira não ter tido “qualquer contacto com o caso” das gémeas tratadas com Zolgensma e que estas crianças não beneficiaram de qualquer “acesso facilitado” ao medicamento.

Mas assumiu “responsabilidade política” porque era ministra, dizendo que se Lacerda Sales (que era secretário de Estado) pediu consulta para as crianças, foi “indevidamente”.

“Subscrevo a ideia que os governantes são responsáveis pelas suas equipas. No meu caso, a minha equipa envolvia o sr. secretário de Estado”, afirmou Marta Temido.

Ouvida na comissão parlamentar de inquérito ao caso das gémeas, Temido assegurou, numa intervenção prévia às questões dos deputados, que não teve “qualquer contacto com o caso” e que isso ficou provado no relatório realizado pela Inspeção Geral das Atividades em Saúde (IGAS) sobre o caso.

Questionada pela deputada da Iniciativa Liberal, Joana Cordeiro, sobre quando teve conhecimento deste caso, Marta Temido explicou que recebeu um contacto de uma jornalista de televisão que lhe questionou se tinha “ouvido falar de um tratamento com o medicamento mais caro do mundo que envolvia umas crianças gémeas”.

“Respondi à jornalista aquilo que a minha memória me trazia. Tinha uma ideia de várias crianças (…) e disse-lhe ‘tenho ideia, uma vaga ideia de umas gémeas’, mas o meu distanciamento do caso e a minha total boa-fé foi tanta que continuei na minha atividade”, explicou.

Marta Temido revelou ainda que, quando foi noticiado uma alegada interferência no caso do antigo secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales, falou com o antigo governante, embora sem detalhar o teor dessa conversa.

“Essas conversas foram mantidas numa fase muito inicial deste processo, das primeiras reportagens, e depois penso que, como é da natureza das coisas, todos nós nos preservamos uns aos outros de trocar informação sobre o tema”, acrescentou ainda.

A eurodeputada socialista assegurou ainda que as crianças “não tiveram um acesso facilitado” ao medicamento e que, embora “o processo possa hoje estar a ser questionado sobre aquilo que envolveu”, as gémeas luso-brasileiras “tiveram o acesso que tinham de ter”.

Ainda sobre a sua “autoavaliação” e a responsabilidade política, a ex-ministra comentou: “Para mim, é um facto muito perturbador em relação ao qual não posso deixar de me perguntar se não podia ter feito algo de outra maneira. Podíamos ter feito o mesmo sem que se tivesse dado azo a uma situação de desconfiança do sistema. Essa é a minha avaliação do caso”.

Pedidos que não são normais

A ex-ministra da Saúde considerou também que os pedidos de consulta por gabinetes governamentais “não são normais”, reiterando que não contactou “verbal ou pessoalmente nenhuma das pessoas” que pudessem ter acesso ao processo das gémeas luso-brasileiras.

“Os pedidos de consulta de gabinetes não são normais. (…) Não é o circuito normal”, disse.

Após ser questionada pela deputada do BE Joana Mortágua, a antiga governante considerou que o médico que “pegou no caso” foi “responsável pelo tratamento e pelo encaminhamento, mesmo que tenha havido uma ação da parte do gabinete da secretaria de Estado”.

Em reposta ao deputado do Livre Jorge Pinto, a socialista recordou que teve conhecimento do caso pela imprensa em novembro do ano passado e que pediu de imediato “acesso a documentos administrativos”, através de um ofício enviado ao gabinete do Ministério da Saúde.

“Pedi acesso a todos os documentos administrativos que possam ter relação com a assistência clínica [às gémeas]”, doentes de atrofia muscular espinal, garantiu Marta Temido.

A antiga ministra afirmou que “nunca quis passar uma determinada barreira”. “Achei que não o devia fazer, nem era correto, nem trazia, nenhuma vantagem. Eu nunca contactei verbal ou pessoalmente nenhuma das pessoas que poderiam trazer informação sobre o processo. Estou presa a este conjunto de documentos que me forneceram e que trazem alguma informação, mas que é uma informação naturalmente limitada”, disse.

Temido fazia referência às cartas dos ofícios da Presidência da República, aos documentos complementares e aos pedidos de revisão do modelo de financiamento do Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Ainda assim, Marta Temido considerou que há “uma necessidade de retirar lições e fazer uma aprendizagem” após “todos estes acontecimentos”.

Reiterando que só teve conhecimento do caso pela imprensa e após ser contactada por uma jornalista, a ex-governante disse que “não conseguiu apurar” porque é que o expediente não chegou à sua chefe de gabinete.

“Desde as minhas primeiras declarações sobre este caso no jornal, há quase um ano, que há um hiato que eu não consigo explicar, porque as comunicações entram, as comunicações são registadas na Secretaria-Geral e, portanto, não há subtração das comunicações e passam à fase seguinte, ao Infarmed”, com teor “digam lá o que é que tem a dizer, visto que é uma matéria da sua área de competência”, observou, após ser questionada pela deputada do PAN, Inês Sousa Real.

Ao deputado João Almeida, do CDS-PP, Marta Temido lembrou que qualquer cidadão português tem acesso ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) e que as gémeas “teriam sempre” o direito de ser atendidas.

“Qualquer cidadão português que utilize o SNS e que seja também beneficiário de um seguro de saúde, pode apresentar-se quer no SNS, quer numa entidade que seja prestadora de cuidados e que tenha um acordo com esse seguro”, observou.

“Se admitirmos que a situação é de alguma forma paralela, estas crianças teriam sempre o direito de utilizar o SNS ou seguro”, precisou.

ZAP // Lusa

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.