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Um “sugar daddy” amigo de Putin está a dominar um conceituado desporto olímpico

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Vladimir Putin com Alisher Usmanov

Apesar de estar sob sanções da UE e dos EUA, Alisher Usmanov continua a ter um controlo inabalável no mundo da esgrima.

Alisher Usmanov, um bilionário russo de 71 anos com laços estreitos com o Vladimir Putin, está de volta a uma das posições mais importantes sobre um dos desportos mais antigos e prestigiados do mundo: a esgrima.

Apesar de ter sido sujeito a severas sanções da União Europeia e dos Estados Unidos na sequência da guerra na Ucrânia, a influência de Usmanov sobre a Federação Internacional de Esgrima (FIE) permanece inabalável. A sua recente tentativa de recuperar a presidência da FIE desencadeou um intenso debate sobre a interseção entre desporto e política.

Usmanov, que liderou a FIE durante mais de uma década antes de se afastar em 2022 devido às sanções, voltou a entrar na corrida presidencial no final de 2024. O seu regresso fez soar o alarme entre os críticos, em particular na comunidade ocidental da esgrima, que acusam o Kremlin de estar a utilizar os organismos desportivos para restaurar a sua imagem global e pressionar para a reintegração dos atletas russos nas competições internacionais.

O poder do apoio financeiro

O domínio de longa data de Usmanov sobre a FIE, que começou em 2008, tem sido marcado pelo seu grande apoio financeiro à organização. Sob a sua liderança, a FIE floresceu, com Usmanov a financiar pessoalmente muitas das suas iniciativas, incluindo uma espantosa doação de 5 milhões de francos suíços em 2020, que representou 93% das receitas da organização nesse ano. Esta generosidade financeira valeu-lhe a admiração de muitos no desporto, mas também suscitou preocupações quanto à dependência da FIE de uma única fonte de financiamento.

No entanto, o seu apoio financeiro foi ofuscado pela sua estreita relação com o Presidente Putin. A UE e os EUA impuseram sanções a Usmanov após a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, rotulando-o como um dos principais aliados de Putin e um importante aliado do Kremlin. Embora Usmanov tenha contestado as sanções, alegando que eram infundadas, as restrições obrigaram-no a abandonar temporariamente as suas funções na FIE.

Em outubro de 2024, Usmanov anunciou a sua decisão de se candidatar novamente à presidência do FIE, desta vez em Tashkent, no Uzbequistão, numa tentativa de reconsolidar o seu poder e desafiar a crescente oposição à sua liderança. A

A decisão desencadeou o protesto de várias federações nacionais de esgrima, nomeadamente dos países nórdicos e bálticos, que temiam que o regresso de Usmanov legitimasse as suas controversas ligações ao regime russo.

Países nórdicos batem o pé

Em Örebro, na Suécia, os dirigentes das federações nórdicas de esgrima reuniram-se para tentar travar o regresso de Usmanov antes das eleições da FIE.

“Sentimos que foi mau [deixar Usmanov concorrer sem oposição] porque está a mostrar ao mundo inteiro que não nos importamos com a sua ligação a Putin, com a guerra na Ucrânia. Era importante que o mundo soubesse que o mundo da esgrima não está unido em torno de Usmanov”, afirma o presidente da Federação Norueguesa de Esgrima, Ole Eeg, ao Politico.

Noruega, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Islândia, juntamente com o apoio dos países bálticos, propuseram um candidato alternativo: Otto Drakenberg, antigo esgrimista olímpico e presidente da federação sueca de esgrima. Esta foi a primeira vez que Usmanov teve um opositor numa corrida presidencial da FIE desde 2008, com a campanha de Drakenberg a sublinhar a necessidade de um distanciamento do dinheiro russo.

“Quem é que quereria ter uma eleição no seu país com apenas um candidato? Isso leva-nos a pensar nas velhas repúblicas das bananas. Então, porque é que o permitimos na esgrima?”, argumentou Drakenberg.

Apesar da união dos países nórdicos e bálticos, a candidatura de Drakenberg estava condenada a falhar, com Usmanov a somar apoios de peso na América Latina, África e outras partes do mundo.

Uma eleição polémica

A eleição presidencial da FIE em novembro de 2024 teve lugar no luxuoso Hotel InterContinental em Tashkent, onde delegados de cerca de 150 países se reuniram para votar. O evento transformou-se rapidamente num espetáculo de manobras políticas, com os apoiantes de Usmanov visivelmente ausentes das reuniões pré-eleitorais com a campanha de Drakenberg.

Apesar da forte oposição de alguns países ocidentais, a campanha de Usmanov deu frutos, com uma vitória retumbante com 120 votos contra 26 de Drakenberg. “Foi uma prova do reconhecimento e do profundo respeito da comunidade da esgrima”, declarou o porta-voz do bilionário.

Do lado de Drakenberg, há quem ache o reinado de Usmanov tem os dias contados. “Temos um ‘sugar daddy’. O ‘sugar daddy’ está a pagar toda a diversão. Mas o ‘sugar daddy’ não vai estar presente para sempre. A dada altura, o dinheiro deixará de fluir”, considera o chefe de esgrima finlandês Joonas Lyytinen.

A curta duração do triunfo de Usmanov acabou por se confirmar. Um dia depois de ter sido reeleito, anunciou que iria renunciar novamente à presidência para evitar mais complicações legais decorrentes das sanções que lhe foram impostas.

A sua decisão de abandonar temporariamente o cargo foi vista como uma tentativa de proteger a FIE das ramificações legais do seu atual estatuto enquanto sancionado, embora críticos como Drakenberg tenham sugerido que Usmanov estava apenas a fazer uma manobrar para controlar a organização a partir dos bastidores.

“Antes das eleições, disse aos jornalistas que era exatamente isto que ia acontecer.
“Acredito que ele colocou pessoas que vão agir sob as suas ordens”, declarou.

A eleição de Usmanov foi vista como uma vitória do Kremlin, que tem estado cada vez mais isolado. A decisão da FIE de levantar a proibição de os atletas russos e bielorrussos competirem sob uma bandeira neutra no Campeonato do Mundo de 2023 ilustra este receio.

À medida que a pressão política aumenta, o resultado da eleição da FIE tornou-se mais do que apenas uma disputa de liderança: é um reflexo da luta mais ampla entre desporto e política num mundo cada vez mais polarizado.

Adriana Peixoto, ZAP //

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