A economia e os impostos voltaram a ser o tema que mais dividiu os candidatos, com Sunak mais cauteloso e Truss mais radical. Apesar das divergências, ambos disseram que estão dispostos a voltar a trabalhar juntos num novo Governo.
Os dois finalistas à sucessão a Boris Johnson já são conhecidos e batalharam ontem à noite num debate televisivo que rapidamente azedou.
Apesar de ter vencido todas as rondas de votação dos deputados, Rishi Sunak, ex-Ministro das Finanças, não têm a mesma popularidade entre os militantes Conservadores e está a correr atrás do prejuízo.
Uma sondagem recente da YouGov concluiu que Liz Truss tem o voto de confiança de 62% dos militantes contra 38% que preferem Sunak e depois de uma semana recheada de ataques pessoais entre os dois — com Sunak a ser criticado pela sua riqueza e pela forma como se veste e Truss a ser acusada de ser uma analfabeta económica —, o candidato não perdeu a oportunidade de sair ao ataque.
Manter ou baixar os impostos, eis a questão
Questionado sobre o que vai fazer para combater a escalada de preços da energia, o ex-Ministro das Finanças foi mais vago e cauteloso. “Teremos de ver como evoluem as contas de electricidade. Mas estamos só a pensar nas soluções de curto prazo e penso que seria bom tirar um momento para pensar em soluções de longo prazo“, começou, sugerindo investir mais no isolamento térmico e na redução da dependência energética do exterior, com a qual quer acabar até 2045.
Truss é mais radical, propondo o fim do aumento das contribuições para a Segurança Social e acabar temporariamente com o imposto verde, que diz que reduziria, em média, as contas da electricidade em 153 libras por ano. “Vou agir imediatamente. Sei que as pessoas neste país estão a debater-se com uma subida no custo de vida que é dos maiores verificados numa geração”, prometeu.
Foram estas as propostas que deram aso ao primeiro ataque de Sunak, que repetidamente descreveu as propostas de Truss como não sendo “conservadoras”, depois de já ter dito que as suas medidas são “socialistas” e “irresponsáveis“.
O ex-detentor da pasta das Finanças defende a manutenção dos impostos que foram aumentados durante a pandemia para se continuar a financiar os serviços públicos, algo que Truss opõe. Os impostos têm sido sempre o principal ponto de discórdia entre os dois e este debate não foi excepção.
“Prometeu quase 40 mil milhões de libras de cortes de impostos, 40 mil milhões de mais empréstimos. Esse é o cartão de crédito do país. Os nossos filhos e netos vão ter de pagar a conta”, atirou Sunak, acusando Truss de querer “arrastar milhões de pessoas para a miséria”.
Por sua vez, a Ministra dos Negócios Estrangeiros acredita que só se pode pagar as dívidas com o crescimento económico e que o crescimento económico só acontece se se cortar nos impostos. “Precisamos de retirar dividendos das oportunidades do pós-Brexit”, disse, apelando a que se “acabe com a ortodoxia”.
A candidata garante ainda que a dívida começaria a ser paga “dentro de três anos” e continuar com os impostos altos levará a uma “recessão”, algo que Sunak imediatamente refutou, dizendo que combater a inflação é a prioridade e que os preços podem subir ainda mais se os impostos forem cortados e que estes só devem baixar “quando for o momento certo”.
O ex-Ministro voltou a insinuar que as propostas de Truss são irrealistas, dizendo que esta vive num momento de “adrenalina de açúcar”. A adversária respondeu acusando Sunak de ser o responsável pelo maior aumento de impostos nos últimos 70 anos.
Truss foi também confrontada com o conteúdo do livro “Brittain Unchain”, que é quase como uma “Bíblia do liberalismo económico” assinada por muitos dos rostos actuais do partido Conservador. A Ministra assinou um capítulo sobre a educação, mas há no mesmo livro um outro capítulo, assinado por Dominic Raab, onde os britânicos são acusados de estarem “entre os trabalhadores mais preguiçosos do mundo“.
Sobre se concorda com esta afirmação, Truss disse apenas que não o escreveu e lembrou que Raab é agora um apoiante de Sunak. Entretanto, Raab já respondeu dizendo que todos os autores puderam ler os outros capítulos antes da publicação do manifesto e que todos deram a luz verde ao seu conteúdo.
Os dois iam trocando farpas, com Truss a dizer que o país “precisa de acção” enquanto que Sunak lembrava que “se os conservadores não servem para assegurar as contas certas, servem para quê?”.
Haverá alguém mais duro com a China do que eu?
Já relativamente à política externa, ambos concordaram que não quando foram questionados sobre se enviariam navios da Marinha britânica para o Mar Negro para ajudarem no transporte dos cereais retidos na Ucrânia.
Quando a China veio à baila, o debate aqueceu com os dois a quererem parecer mais duros com o país do que o outro. Sunak lembrou que Truss disse que queria que o Reino Unido entrasse numa “era dourada” nas relações com a China, ao que a candidata retorquiu dizendo que essas declarações tinham quase uma década.
Por sua vez, a Ministra acusou também Sunak de ser próximo de Pequim, recordando que no mês passado o então Ministro das Finanças pediu que se estreitassem os laços económicos bilaterais entre os dois países, escreve o The Guardian.
O nome de Boris Johnson também foi referido, visto que os dois serviram como Ministros no seu Governo.
Ambos voltaram a afastar a possibilidade de convidarem o ainda primeiro-ministro a integrar o seu executivo, mas Truss atirou uma farpa ao adversário — cuja demissão precipitou a debandada que levou à queda de Boris — ao contrastar a sua lealdade com a saída de Sunak.
Demitir-se teria “sido um abandono do dever“, disse Truss. Apesar das alfinetadas entre si e Sunak, ambos os candidatos dizem que “adorariam” voltar a trabalhar juntos no mesmo Governo.
Brincos baratos vs fato caro
Num debate onde houve pouco tempo para se falar em alterações climáticas ou acordos comerciais pós-Brexit, houve, no entanto, tempo para se comentar o guarda-roupa dos candidatos.
Um dos momentos mais insólitos foi quando o moderador trouxe à conversa um tweet da deputada Nadine Dorris, que apoia Liz Truss, onde esta compara os brincos de 4,5 libras da candidata com o fato de alfaiate e sapatos da Prada de Sunak.
“Não vou dar conselhos de moda ao Rishi. Ele veste-se muito bem”, disse Truss.
Já Sunak aproveitou o mote para tentar desfazer a imagem de elitismo que se criou à sua volta. Tendo estudado em escolas privadas e vindo de famílias afortunadas, o Ministro tem sido acusado de estar desligado da realidade da classe trabalhadora e esta ideia é um dos factores que tem manchado a sua imagem na base do partido.
Sunak lembrou que a sua família é imigrante e que nem sempre teve uma vida privilegiada. “Eles trabalharam dia e noite, pouparam e sacrificaram muito para proporcionar um futuro melhor para seus filhos”, disse lembrando os tempos em que foi empregado de mesa num restaurante indiano. “O trabalho duro é precisamente um dos valores dos Conservadores”, sublinhou.
Conservadores temem “vitória pírrica”
Debates à parte, alguns rostos dos Conservadores temem que a campanha fique feia e que os ataques entre os candidatos prejudiquem a imagem do partido com o resto do eleitorado.
Por exemplo, Truss tem mantido uma presença mediática mais contida e dado menos entrevistas, tendo até agora recusado ser entrevistada pelo jornalista veterano Andrew Neil. Sunak aceitou o convite e vai ser entrevistado na sexta-feira, tendo provocado a adversária no Twitter, onde escreveu “Sou só eu, então?” e acrescentou um emoji a piscar o olho.
Lord Maude, ex-Presidente dos Conservadores, mostrou-se preocupado antes do debate. “Um deles vai obviamente ganhar a liderança, mas se o comportamento das equipas e a sua linguagem não forem controlados e se isso prejudicar a forma como as pessoas vêem o partido, então será uma vitória pírrica“, disse.
Os dois candidatos vão voltar a debater esta terça-feira à noite na TalkTV.