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A questão de saber se temos ou não livre arbítrio poderá em breve ser resolvida por experiências de física quântica, com potenciais consequências para tudo, desde a religião aos computadores quânticos.
Será que a física quântica impõe limites à extensão do nosso livre arbítrio? Esta questão, há muito debatida, tem origem na forma como os diferentes físicos interpretam a matemática da teoria quântica.
Mas, agora, segundo o New Scientist, os investigadores dizem ter encontrado uma forma de testar a ideia e finalmente resolver o assunto.
“Toda a gente tem a sua própria opinião sobre o que se passa por detrás da teoria quântica. Mas não deveria importar o que pensamos; a única coisa que importa é o que podemos provar através da matemática e de experiências. E é isso que estamos a fazer”, diz Adán Cabello, da Universidade de Sevilha, em Espanha.
Uma das propriedades mais estranhas da física quântica é a “não-localidade”. Neste caso, se os objetos quânticos estiverem emaranhados, podem inesperadamente manter comportamentos coordenados a distâncias extremamente grandes.
Os mecanismos subjacentes a esta coordenação ainda não são compreendidos, mas os debates sobre eles remontam a décadas — e envolveram ideias como a renúncia ao livre arbítrio.
Cabello e os seus colegas — Ravishankar Ramanathan e Carlos Vieira, ambos da Universidade de Hong Kong — estão a dar um passo em frente e a considerar se alguns dos pressupostos de independência podem ser flexibilizados — por exemplo, poderão Alice e Bob ter apenas um livre arbítrio “parcial”? Por outras palavras, poderiam as suas ações, em algumas ocasiões, ser pré-determinadas?
A situação seria análoga à de podermos escolher o que quisermos para o pequeno-almoço na maior parte dos dias, mas ocasionalmente as leis da física intervêm e obrigam-nos a comer cereais.
Parece estranho, mas os investigadores criaram várias novas equações, semelhantes à desigualdade de Bell, que lhes permitiriam testar esta ideia.
Nicolas Gisin, da Universidade de Genebra, na Suíça, afirma que o trabalho pode ajudar a eliminar algumas das ideias concorrentes sobre a razão pela qual a teoria quântica é não-local. “A violação experimental da desigualdade de Bell é um facto estabelecido. Isto já está feito”, diz. “Mas há sempre suposições se quisermos ter um teorema”.
Cabello diz que a eliminação experimental da possibilidade de livre-arbítrio parcial teria implicações para a filosofia da religião. “Muitas religiões resolvem o conflito entre o conceito de um Deus omnisciente e o mandamento de Deus de não cometer pecado assumindo que os seres humanos têm um livre arbítrio parcial”, diz. Mas se o livre-arbítrio parcial não for possível, a resolução também não o será.
Poderá também haver repercussões para algumas das interpretações mais extremas da teoria quântica. Estas incluem o “superdeterminismo”, que afirma que, apesar das aparências em contrário, as leis ainda ocultas da física ditam tudo o que acontece, incluindo as violações da desigualdade de Bell.
Na visão superdeterminista, o protocolo de Bell não diagnostica a não-localidade, mas reflete antes o facto de grande parte do mundo físico estar predeterminado — uma visão que levanta a possibilidade de as leis da física estarem em desacordo com o livre arbítrio ilimitado.
“Ou temos de encarar o facto de que o mundo é indeterminista, ou que o mundo é determinista e temos de explicar o teorema de Bell”, diz Tim Palmer, da Universidade de Oxford, que estuda o superdeterminismo e pensa que o novo trabalho pode ajudar a explicar a segunda hipótese.
“Na minha opinião, temos de explicar o teorema de Bell no mundo determinista. Penso que isso pode ser feito violando o pressuposto da independência da medição”.
Cabello e os seus colegas estão agora a desenvolver experiências para levar as suas novas equações da teoria para um teste real do livre arbítrio, a pesquisa pode ser consultada na Nature Communications.
Ramanathan diz que os computadores quânticos podem ser úteis neste caso porque a questão do relaxamento de alguns pressupostos de independência, ou de algumas partes do computador influenciarem outras partes, não pode ser evitada devido à sua conceção compacta.
“A prioridade é fazer as experiências”, diz Cabello.
Entendi perfeitamente.