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Há casos de golfinhos ou ursos que causaram a própria morte. Será possível os animais suicidarem-se?

Muitos animais matam-se de forma acidental ou através de comportamentos auto-destrutivos, mas ainda há questões sobre se é possível animais cometerem suicídio de forma consciente.

Em Abril de 1970, o treinador de golfinhos Ric O’Barry visitou um golfinho fêmea chamado Kathy em Miami, onde o animal estava na “reforma” depois de aparecer durante três anos no programa de televisão Flipper. O’Barry foi o seu treinador e achou que o golfinho estava deprimido, pode ler-se na Discover.

Os golfinhos são animais muito sociáveis e Kathy estava sozinha num tanque de cimento. O’Barry conta que o animal nadou até si, foi para o fundo do tanque e recusou-se a voltar à tona, acabando por se afogar. O acontecimento acabou por motivar O’Barry a tornar-se um activista pelos direitos dos animais, em especial dos mamíferos marinhos.

Mas será que os animais podem cometer suicídio? A questão é complexa e se não há respostas definitivas para o que realmente pode ser considerado suicídio nos humanos e o que o pode causar, as respostas são ainda mais escassas no caso dos animais.

Apesar do nosso conhecimento da consciência animal estar a crescer, há dúvidas de que os animais têm consciência da morte e capacidade de planear a sua própria. Sabemos que os animais têm graus variados de auto-consciência, podem sofrer de depressão ou outras doenças mentais, são capazes de comportamentos auto-destrutivos, têm alguma noção da morte, podem fazer luto e até são capazes de planear o futuro em certos casos.

Muitos cientistas acreditam que a tese de que os animais se suicidam é apenas mais um exemplo de antropomorfismo, ou seja, a atribuição de características humanas a algo que não é humano. C.A. Soper, autor do livro “A Evolução do Suicídio”, acredita que casos como o de Kathy “dizem mais sobre o observador do que o observado”.

Já do lado dos que defendem a possibilidade do suicídio animal, muitos chamam à posição céptica de pessoas como C.A. Soper “negacionismo antropo”. Desvalorizar imediatamente a possibilidade de que os animais possam pensar e agir de formas entendidas como exclusivas dos humanos é demasiado precipitado, argumentam.

Assim, estas capacidades devem ser vistas num espectro. As emoções dos animais, como o luto, a depressão, a raiva ou a alegria, podem não se manifestar da mesma forma que se manifesta nos humanos, mas isso não significam que não existam, e o mesmo pode ser dito do suicídio.

Segundo David Peña-Guzman, professor de Filosofia e autor de um artigo de 2017 sobre o tema, “temos de aprender a lidar” com a incerteza sobre a questão e adoptar uma posição de “humildade epistémica”. “Temos de estar abertos à possibilidade, não a podemos descartar”, afirma.

A posição de Penã-Guzman recebeu respostas de outros especialistas nos comportamentos dos animais, que tanto a apoiaram como opuseram. Em 2018, o professor universitário escreveu uma resposta aos seus críticos.

Os argumentos que caem para cada lado dependem mais de casos singulares do que provas empíricas. Um exemplo famoso é a história que Jane Goodall conta sobre a morte de um dos seus chimpanzés. Flint aparentemente perdeu a vontade de viver depois da morte da sua mãe, Flo, e parou de comer. O chimpanzé morreu um mês depois no Parque Nacional de Gombe Stream, na Tanzânia.

Ryan Hediger, investigador da Universidade de Kent, acredita que há “comportamentos por aí que nós simplesmente ainda não vimos vezes suficientes para saber como interpretar”. “É um pouco como a matéria escura”, aponta.

Também já foram registados casos semelhantes ao de Flint em cães e elefantes, mas nem todos os comportamentos auto-destrutivos dos animais podem ser entendidos como intencionalmente suicidas. Por exemplo, algumas espécies de abelhas abandonam as suas colmeias quando são parasitadas por moscas para proteger a sua colónia, segundo um estudo de 1992.

O caso dos lemingues que se atiram de penhascos, que um documentário de 1958 da Disney ajudou a popularizar, também não parece ser suicídio. Aparentemente, estes saltos para o abismo são uma consequência da superpopulação e não de tendências suicidas conscientes.

Mas há casos muito mais ambíguos. O biólogo George Schaller relembra o caso de um búfalo que, depois de ter sido ferido por leões, conseguiu fugir e voltar à sua manada.

No entanto, o animal decidiu abandonar o grupo outra vez e permitiu aos leões que o matassem. Não se sabe o que motivou esta escolha – o búfalo pode ter pressentido que não ia resistir aos ferimentos, querer afastar os predadores da sua manada, ou ter escolhido morrer.

No livro “Como os Animais Fazem o Luto”, a professora de Antropologia Barbara King relata o incidente de uma mãe urso que, tal como a sua cria, foram usadas para a ordenha de bile – a inserção de catéteres em ursos capturados para que a bile, que é usada na criação de medicamentos, lhes seja retirada. A mãe supostamente conseguiu libertou-se, sufocou a sua cria e morreu depois de se esmagar contra uma parede.

Será que actos como deixar de comer ou respirar podem ser considerados suicídio? Peña-Guzman acha que podem. “Há uma pergunta na literatura da psicologia humana sobre se o suicídio conta apenas casos activos de auto-destruição ou se também inclui casos de suicídio passivo e eu prefiro a definição mais inclusiva, que abrangeria um caso como o do Flint”, afirma.

Já Soper contraria a ideia: “Muita da confusão parte de definições inúteis. Aqueles que acham que não-humanos podem cometer suicídio têm de começar com uma definição de suicídio tão abrangente que practicamente qualquer acto de auto-mutilação pode contar”.

Enquanto uns acreditam que os animais não têm consciência sequer da morte, outros argumentam que não se pode desvalorizar os casos de animais que acabam por causar a própria morte. Apesar das opiniões divididas, uma coisa é certa: esta questão vai continuar a fomentar mais estudos e hipóteses na comunidade científica.

AP, ZAP //

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