Os sapos desapareceram e as pessoas ficaram doentes — Não é coincidência

Desde que a pandemia começou em 2020 que o mundo deu conta do quão a espécie humana está interligada com outros animais. A ligação é normalmente focada em pássaros ou mamíferos e raramente e fala em sapos — mas estes também podem ser perigosos.

Um novo estudo sobre rãs e malária, publicado a 20 de setembro na Environmental Research Letters, mostra o quanto a a saúde humana pode ser afetada por estas adoráveis — se bem que um pouco viscosas — criaturas.

Em 1980, ecologistas na Costa Rica e no Panamá começaram a reparar num declínio gradual de anfíbios. Rãs e salamandras estavam a ser apanhadas por um fungo patogénico (Batrachochytrium dendrobatidis), e estavam a fazê-lo a um ritmo tão acelerado que os investigadores temiam uma onda de extinções locais.

Alguns investigadores argumentam agora que este agente patogénico, chamado Bd para abreviar, causou “a maior perda registada de biodiversidade atribuível a uma doença” de sempre, sendo responsável por declínios significativos em pelo menos 501 espécies anfíbias, incluindo 90 extinções, desde a Ásia até à América do Sul.

Esta é obviamente uma afirmação forte, mas os anfíbios são agora considerados um dos os grupos de animais mais ameaçados da Terra, e a propagação mundial deste fungo e outros como ele são, pelo menos em parte, culpados.

As rãs e salamandras influenciam diretamente o tamanho da população de mosquitos, ao se alimentarem deles, o que significa que o número de anfíbios pode, em última instância, influenciar os vetores — organismos vivos que podem transmitir patogénios infeciosos — que propagam doenças humanas mortais.

A América Central foi o local destacado para o estudo, sendo que os investigadores analisaram como é que criaturas como os sapos teriam capacidade de beneficiar a saúde humana, de acordo com a Science Alert.

Os resultados, apresentados pela primeira vez em 2020, foram agora revistos por pares, e mostram que as perdas provocadas pelos anfíbios Bd levaram a um aumento substancial na incidência da malária — uma doença transmitida por mosquitos infetados — primeiro na Costa Rica nos anos 80 e 90, e depois novamente no Panamá no início dos anos 2000, à medida que o fungo se espalhava para leste.

De acordo com aquilo que os autores sabem, esta é a primeira prova que a diminuição de anfíbios causa impacto na saúde humana, num ambiente natural.

O estudo baseou-se num modelo de regressão múltipla para estimar o impacto do declínio de anfíbios na incidência da malária em Costa Rica e no Panamá.

Comparando um mapa de declínio anfíbio com o mapa de incidência da malária entre 1976 e 2016, os investigadores encontraram um padrão claro que poderia ser previsto com grande precisão.

Nos oito anos após perdas substanciais de anfíbios por Bd, houve um pico nos casos de malária, equivalente a cerca de um caso extra por cada 1.000 pessoas. Este número não existiria se, provavelmente, não fosse a morte recente dos anfíbios.

Num surto habitual de malária, as taxas de incidência atingem normalmente um pico de cerca de 1,1-1,5 casos por mil pessoas. Isto significa que uma perda de anfíbios na América Central poderia ter provocado um aumento de 70% a 90% de doentes.

“O padrão mostra uma onda de oeste para leste espalhando-se da fronteira noroeste da Costa Rica por volta de 1980, para a região do Canal do Panamá até 2010”, escrevem os autores do estudo.

Talvez, sugerem os autores, um aumento nos casos de malária provoque uma maior utilização de inseticidas, o que depois reduz novamente os casos, em conformidade com este ciclo.

Estudos futuros sobre outras doenças transmitidas por mosquitos, como a dengue, podem ajudar a apoiar a ligação entre a perda de anfíbios e uma ameaça crescente de doenças transmitidas por mosquitos.

Os investigadores só conseguiram obter alguns dados sobre casos de dengue no Panamá, e não dados a nível nacional, mas mesmo assim os resultados sugerem um aumento da dengue após o declínio dos anfíbios.

De 2002 a 2007, o aumento dos casos de dengue em relação aos oito anos anteriores foi de 36%. “Este impacto que ainda não tinha sido identificado da perda da biodiversidade ilustra os custos muitas vezes ocultos do bem-estar humano, devido a falhas de conservação”, escrevem os autores.

“Se os cientistas não contarem com as ramificações destes eventos passados, arriscam-se também a não conseguir motivar a proteção contra novas calamidades, como a propagação internacional do agente patogénico emergente Batrachochytrium salamandrivorans, através do comércio mal regulamentado de espécies vivas”, acrescentam os investigadores.

Enquanto está a ler isto, B. salamandrivorans está a pedir boleia a todo a gente através do comércio global, e ameaça não só o futuro dos anfíbios, mas também a saúde da nossa própria espécie.

Como revela o estudo atual, a saúde das rãs e a saúde humana andam muitas vezes de mãos dadas. Estamos presos aos anfíbios, quer queiramos quer não.

ZAP //

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