Salgado acusa Banco de Portugal de “deslealdade” e “desonestidade”

José Sena Goulão / Lusa

Na contestação à coima aplicada pelo supervisor por violação de normas de prevenção de branqueamento de capitais, a defesa de Ricardo Salgado acusou o Banco de Portugal de ter sido “desleal e desonesto” na forma “como construiu o processo”.

Nas alegações finais no julgamento dos recursos interpostos no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), em Santarém, pelo antigo presidente do BES Ricardo Salgado e pelo ex-administrador Amílcar Morais Pires, Adriano Squilacce afirmou que a decisão do Banco de Portugal é um “chorrilho de generalidades”, sem qualquer imputação concreta.

Segundo o advogado de Ricardo Salgado, o BdP “carregou” para o processo uma enorme quantidade de ficheiros informáticos e relatórios que “espelham a existência de mecanismos de controlo”, tendo imprimido apenas os que “queria” e construindo uma acusação “vaga” e com recurso sistemático a “copy paste”.

Squilacce afirmou que o BdP teve conhecimento dos relatórios que usou no processo para acusar “à data dos factos”, sem que na altura eles tenham dado origem a qualquer contraordenação.

O advogado voltou a invocar o parecer de José de Faria Costa, que juntou ao processo, no qual o especialista em direito penal considera que as decisões com intervenção do governador do BdP, Carlos Costa, devem ser anuladas, tendo em conta as declarações públicas que proferiu, antes da instauração e decisão sobre processos contraordenacionais, “sobre os atos de gestão financeira — e até mesmo sobre a idoneidade de os praticar -” de Ricardo Salgado.

O parecer do ex-Provedor de Justiça (entre julho de 2013 e novembro de 2017) considera que as declarações feitas por Carlos Costa na conferência de imprensa da resolução do Banco Espírito Santo (BES), em agosto de 2014, e nas entrevistas ao Expresso (em fevereiro e março de 2016) e ao Público (em março de 2017) não lhe dão a “equidistância exigida entre o julgador e o arguido” e “destroem a aparência de imparcialidade que deve ter o julgador”.

Nas suas alegações, o mandatário do BdP, Pedro Pereira, refutou o parecer de Faria Costa, reafirmando a “absoluta isenção” do supervisor e assegurando que as decisões do conselho de administração são colegiais, não sendo os seus membros condicionados por declarações do governador. “É ao tribunal que compete a decisão final sobre a aplicação das contraordenações”, disse.

Adriano Squillace sublinhou que Ricardo Salgado era administrador e não gestor do banco, tendo, por isso, uma visão de conjunto e não conhecimento pormenorizado de cada área, em particular de uma tão específica e complexa como é a ‘compliance’.

Num grupo que estava presente em 14 países, com 26 filiais e subsidiárias, e no qual detinha sete pelouros, Salgado tinha que delegar atos e responsabilidades, disse, sublinhando que cumpriu a sua função ao dividir tarefas e criar estruturas para, no concreto, cumprirem as imposições legais, como a garantia do cumprimento das normas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo.

Segundo o advogado, em todas as quatro unidades visadas no processo — Angola, Cabo Verde, Macau e Miami — existiam sistemas de controlo e ocorriam auditorias internas e, disse, as deficiências que foram sendo detetadas revelavam a necessidade de melhorias, mas nunca foram reportadas quaisquer ilegalidades.

Na decisão do BdP, de maio de 2017, Ricardo Salgado, Amílcar Morais Pires, António Souto e o BES foram condenados pela não aplicação de medidas de prevenção de branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo nas sucursais e filiais do banco em Angola, Cabo Verde, Miami e Macau.

Numa primeira sentença do TCRS sobre os pedidos de impugnação apresentados por Ricardo Salgado e Morais Pires, de dezembro de 2017, a acusação do BdP foi anulada, tendo o juiz Sérgio Sousa dado razão à alegação de preterição do direito de defesa.

Contudo, por decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, para o qual recorreram o BdP e o Ministério Público, a sentença do TCRS foi revogada e determinado o prosseguimento dos autos, o que aconteceu, com o julgamento a iniciar-se em outubro último.

O juiz Sérgio Sousa marcou a leitura da sentença para o próximo dia 2 de setembro, dada a extensão do processo e a “necessidade de revisitar a prova documental e testemunhal”, tendo em conta a paragem imposta pela pandemia da Covid-19 (desde o início de março) e a quantidade de serviço atualmente distribuído ao TCRS.

// Lusa

Siga o ZAP no Whatsapp

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.