Retalhos da vida de um médico: “Recusar ovos de uma pessoa de 84 anos…é muito mau”

Dia Mundial do Médico da Família originou celebração do progresso por parte do bastonário. António Branco tem outros progressos para contar, no Alentejo.

19 de Maio é o Dia Mundial do Médico de Família e o bastonário da Ordem dos Médicos aproveitou a data para sublinhar “o papel central dos médicos de família na prestação de cuidados de saúde para toda a população”

Miguel Guimarães quis “celebrar o progresso” verificado na medicina geral e familiar e elogiou a capacidade dos médicos de “resiliência, humanismo e solidariedade”, mesmo “nos momentos mais difíceis que têm atravessado nos últimos anos de pandemia”.

Na mesma mensagem, o bastonário lembrou que 1.3 milhões de portugueses não têm médico de família. “Um número que tem vindo a crescer sistematicamente, em rumo contrário às promessas políticas”, avisou.

João Semana no Alentejo

Quem tem um médico de família são as pessoas de três aldeias perto de Portel no Alentejo: António Branco é do Porto mas anda entre Monte do Trigo, Oriola e Vera Cruz.

A rádio TSF cruzou-se com António, profissional há 17 anos, que faz lembrar João Semana: “Trabalhar aqui é muito giro. Sempre quis ser médico na aldeia. A personagem João Semana tinha a sua piada, pelo tipo de medicina que fazia: estava sempre de serviço, era sempre chamado a todo o lado e a qualquer hora. Isso comigo não acontece, mas eu não vivo em Portel”.

Ser médico de família, sobretudo neste contexto, é ser especialista em diversas especialidades: “Um médico de família numa aldeola como Vera Cruz tem de ser obstetra, ginecologista, ortopedista, cardiologista…”

As tecnologias apareceram e ajudaram: “Há utentes, mesmo idosos, a enviarem-me fotografias de gargantas e a pedirem para eu ver os pontos brancos que tem na garganta, para ver o que se passa”.

As tradições não desapareceram e uma delas é oferecer prendas (como ovos) ao médico, mesmo que a lei proíba essas ofertas.

Rejeitar é complicado: “Dizer que não a uma pessoa de 84 anos que andou às seis horas da manhã a apanhar os ovos das galinhas todas, para ter dúzia e meia de ovos para dar ao senhor doutor, alguém que vai com um saco na mão apesar de lhe dizerem para não ir e que quer dar e não consegue… Dizer-lhe que não é muito mau“.

“Aliás, já me aconteceu uma senhora dizer “ó doutor, olhe que os ovos são bons, foram apanhados hoje!”, relatou.

António Branco contou ainda que a falta de locais para realização de alguns exames específicos é um problema: “Para um velhote de 87 anos que nem gosta de sair de casa para ir à consulta, sair e ir para Évora, para o meio da confusão, fazer três exames… É um caos”.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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