Numa carta escrita à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, os refugiados fazem um apelo para que a UE atente às condições degradantes em que vivem e pedem que haja uma intervenção o mais rápido possível.
O campo de Moria, que foi durante cinco anos o maior, ardeu há mais de três meses e as mais de sete mil pessoas que na altura ficaram desalojadas foram transferidas para novas instalações, num antigo campo militar, a pouco mais de três quilómetros do antigo campo.
Além de totalmente exposto aos elementos, constantes chuvas e ventos fortes que chegam do Mar Egeu durante o inverno, no novo local não existem chuveiros com água quente suficientes para todos poderem tomar banho, escolas ou serviços médicos adequados.
Perante estas circunstâncias, um grupo de apoio aos migrantes decidiu então recolher as assinaturas de centenas de migrantes e enviar, em nome deles, uma carta à Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, na tentativa de alertar para as condições em que estas pessoas vivem, sobretudo numa época do ano marcada pelo conforto e pela reunião familiar.
As autoridades europeias já prometeram um investimento em melhores condições de vida para as pessoas que vivem neste campo de refugiados.
Esta é a carta enviada ao Expresso por um dos promotores da iniciativa, Raed Al Obeed.
“Caros cidadãos europeus,
Cara Presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen:
A partir do novo campo de refugiados de Lesbos desejamos, em primeiro lugar, um feliz Natal a todos. Esperamos que possam celebrar a data, apesar das dificuldades que todos enfrentamos devido à crise da pandemia de covid-19.
Há mais de três meses, depois do fogo que atingiu o antigo campo de Moria, mudámo-nos para um novo campo e agora vivem aqui mais de 7.000 refugiados. Em setembro, foi-nos prometido que este novo campo teria melhores condições. Ficámos felizes e à espera de vermos cumpridas essas promessas.
Infelizmente, nada aconteceu. Ainda esperamos por uma quantidade suficiente de chuveiros com água quente e quando chove todo o acampamento fica inundado e muitas tendas alagadas. Não temos aquecedores para nos mantermos, a nós e aos nossos filhos, aquecidos, e também não temos escolas nem jardins de infância. Se adoecemos, esperamos horas por tratamento médico e embora a alimentação que recebemos seja suficiente, não é muito saudável.
Também nos foi prometido que os nossos processos de asilo finalmente iriam acelerar, mas muitos ainda estão à espera, alguns há mais de um ano, por uma entrevista. Em vez disso, apoiamo-nos num limbo e não temos nada para fazer a não ser esperar.
Em muitos aspetos, a situação é ainda pior do que antes do grande incêndio. Só a segurança melhorou, mas durante a noite não há luzes no campo. No antigo campo de Moria podíamos organizar-nos, dirigiamos pequenas escolas, havia lojas e muitas outras atividades. No novo campo isso não é possível.
Concordamos com o ministro alemão (do desenvolvimento), Gerd Mueller, que disse na semana passada que a situação neste campo é pior do que em qualquer país africano em crise. Queremos agradecer pela clareza das suas palavras, mas continuamos a perguntar como é que depois de três meses e tantos milhões de euros doados por governos e arrecadados por ONGs ainda estamos sentados num lugar sem água canalizada, chuveiros quentes e um sistema de escoamento de dejetos. Por que razão os nossos filhos ainda não podem ter aulas e porque é que dependemos da boa vontade de algumas organizações que nos distribuem roupas e sapatos usados?
Não temos direitos simples como humanos e refugiados na Europa dos serviços básicos para todos? Lemos e ouvimos que vivemos como animais nestes campos, mas achamos que isso não representa a realidade. Estudámos as leis de proteção aos animais na Europa e descobrimos que eles têm mais direitos do que nós.
Todos os animais têm estes direitos:
– Não passar fome nem sede;
– Estar livre de desconforto, vivendo num ambiente adequado, incluindo terem direito a abrigo e a uma área de descanso confortável;
– Estar livre de dor, lesão ou doença que possa ser curada pela prevenção, diagnóstico e tratamento rápidos;
– Liberdade para expressar (a maioria) o comportamento normal;
– Estar livre de medo e angústia, garantindo condições e tratamento que evitem o sofrimento mental.
Se temos todos esses direitos assegurados aqui? Desculpe, mas a resposta é: “Não”. Talvez não estejamos com muita fome, mas não vivemos num “ambiente apropriado”. Não estamos livres da dor e angústia. Nenhum de nós consegue viver normalmente, porque o dia todo lutamos para conseguir água para a nossa mais básica higiene pessoal, comida e um lugar aquecido para dormir. Todos vivemos com medo e angústia. Há estudos que falam dos níveis de depressão dos refugiados nas ilhas gregas e mostram que uma em cada três pessoas já pensarem na solução do suicídio.
Então, honestamente, perguntamos à senhora Presidente: seríamos tratados assim se fôssemos animais? Pedimos apenas que nos conceda direitos simples. Ficaríamos felizes se os recebêssemos e prometemos que não ouviria mais nenhuma reclamação da nossa parte.
Mas também não queremos ouvir mais que a nossa situação “não é tão assim tão má”. Convidamos todos os que pensam assim a ficarem pelo menos uma noite no nosso campo.
Não estamos a pedir mais dinheiro para melhorar as infraestruturas, lemos nos jornais quantos milhões já foram gastos e muitos de nós temos formação como engenheiros, eletricistas, médicos e sabemos que não é preciso muito dinheiro para consertar o que está mal neste campo. Ajude-nos, respondendo a esta pergunta: Para onde foi todo esse dinheiro? Por que não nos chegou?
Estamos prontos para ajudar e prontos para trabalhar – e muito -, se a Presidente confiar em nós para tornar este num lugar melhor. Já provamos que somos capazes no outro campo e mesmo agora a maioria dos voluntários nas ONGs são habitantes do campo. Queremos mostrar que a imagem que muitas pessoas têm de nós é errada: viemos para a Europa para pedir asilo e para nos tornarmos cidadãos e uma parte útil das vossas sociedades.
Consideramos este campo como o nosso sítio e queremos ter o apoio para o tornar melhor. Precisamos apenas de ajuda profissional de especialistas, mas o que vemos são muitos voluntários cheios de boa vontade, mas sem as competências necessárias para abrir sistemas de esgotos, construir casas de banho e desenhar túneis de abastecimento de água. O que precisamos é que as nossas carreiras anteriores sejam levadas a sério, que nos considerem parceiros nessa reconstrução e de saber o que está planeado e onde é que está a ser utilizado o dinheiro.
Vemos muitos pedidos de doações e promessas e quando vemos que tão pouco mudou aqui, mesmo depois que todos esses milhões doados, ficamos frustrados, zangados. Sejamos claros: ninguém suporta a ideia de mais um ano a ter início com mesmas condições em que as pessoas vivem em Samos e Quios (outras duas ilhas onde os campos de refugiados são conhecidos pela total insalubridade).
Estamos a pedir-lhe que não deixe isso acontecer. Estamos a pedir que sejam seguidas algumas etapas muito simples:
Consertar o abastecimento de água e chuveiros,
Consertar as instalações sanitárias,
Colocar um sistema de drenagem adequado para que nosso acampamento não inunde após as chuvas,
Fornecer eletricidade e aquecimento adequados e tendas adequadas para o inverno,
Fornecer tendas suficientes para escolas, aulas e outras atividades
Iluminar as principais ruas do acampamento,
Aumentar os serviços médicos e de ajuda psicológica,
Construir locais para descontração, reunião social e lazer
Por favor, ajude-nos a tornar isto possível. Na primavera falava-se muito em evacuação, mas nesta época festiva pedimos apenas para nos ajudar a melhorar este acampamento temporário para que não passemos o resto do inverno a sofrer.
Sinceros desejos de uma época feliz,
Omid Deen Mohammed da Equipa de Alerta para o Covid-19 (MCAT)
Raed Al Obeed dos White Helmets de Moria (MWH)”.