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O som do “recordai” é sinónimo de alegria e desejos de um bom ano em Cabo Verde (e a tradição cresceu com a pandemia)

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A pandemia trouxe outro significado à tradição de tocar o “recordai” na ilha cabo-verdiana de São Vicente e este instrumento musical, de madeira e caricas, ganha novos tocadores, que levam a mensagem de bom ano aos vizinhos.

Manda a tradição da ilha a norte do arquipélago de Cabo Verde que o 31 de dezembro comece com as crianças a percorrerem as ruas, porta a porta, tocando o “recordai”, desejando o bom ano e recolhendo ofertas.

Um dos grupos que surgiu em 2020 foi o “‘Recordai’ de Alto de São Nicolau”, de um bairro nobre da cidade do Mindelo, em que pessoas que nasceram, cresceram ou com alguma ligação afetiva à zona ali regressam para desejar um bom ano aos moradores e por vezes antigos vizinhos.

“No ano passado determinamos a criação do grupo, visto o clima triste que vivíamos, era uma altura em que as pessoas ainda tinham muito medo por causa do vírus [da covid-19] e ainda se aguardava pela vacina. A nossa ideia foi de levar alegria para a casa dos vizinhos, que são na maioria pessoas de uma certa idade e que, por sermos da mesma zona, consideramos que são da família”, explicou à Lusa Leila Leite.

Controladora de tráfego aéreo, é um dos elementos deste novo grupo do tradicional “recordai” de São Vicente. Na maior parte das vezes, a “tocatina”, em forma de serenata de porta em porta, é feita usando o recordai, construído como um chocalho, com uma estrutura de madeira e caricas de garrafas, tocado por crianças. Contudo, quando há alguma organização e adultos envolvidos, é costume acrescentar instrumentos musicais.

“Tocamos com recordai, violão e tínhamos uma gaita. O mais interessante é que o nosso amigo João Carlos que também é compositor fez uma música de boas festas adaptada à nossa zona, então foi um momento interessante e de muita emoção”, recordou.

A ideia em torno das “boas festas” faz-se com grupos ou amigos, com cada um a tocar na sua zona tradicionalmente durante a noite de 31 de dezembro.

“No ano passado fizemos toda a zona de Alto de São Nicolau e arredores, como Che Guevara, Subida de ‘Furtim’, e percebemos a emoção no rosto das pessoas porque não estavam à espera. Quando chegamos ao posto do comando policial, onde também tocamos as “boas festas”, percebemos lágrimas no rosto dos presentes, foi um acolhimento e uma forma de dizer aos presentes que, apesar da conjuntura, que estávamos juntos”, recordou Leila Leite.

Nestas andanças é natural as pessoas oferecerem dinheiro aos tocadores e há uma figura, masculina ou feminina, denominada por “Jorge”, responsável por receber todo o montante e no fim da noite dividi-lo pelos integrantes.

A preparar a saída deste ano, porque o grupo irá dar continuidade ao trabalho, Leila Leite assume que o montante arrecadado no ano anterior foi “muito satisfatório”.

“Conseguimos mais de 20 mil escudos [180 euros] só na zona e foi bom, porque usamos o dinheiro para a nossa comemoração de fim de ano”, explicou.

Realizaram o trajeto, entre passeio, música e canções, com um grupo composto por mais de 20 elementos, adultos e algumas crianças. Para este ano, além de manterem as medidas de proteção, como uso de máscara e álcool gel, e o distanciamento social, Leila Leite prevê um maior número de integrantes para o mesmo percurso.

Desta vez a saída faz-se no dia 30 de dezembro, com camisolas personalizadas, que identifica o grupo “’Recordai’ de Alto de São Nicolau”.

Esta tradição, com mais ênfase na ilha de São Vicente é a oportunidade que muitos aproveitam para visitar amigos, conhecidos e vizinhos, na passagem de ano e no ano novo, levar boa energia e desejos de bom ano, através da música.

“Tem um peso grande na vida de qualquer sanvicentino. Mais do que uma tradição, é um sentimento de gratidão, de fazer as pessoas sentirem a nossa presença, amizade, o amor”, expõe a jovem, que apesar de já não viver na zona, é onde vive parte da família e alimenta laços emocionais e de amizade com a localidade.

Tal como na zona de Alto de São Nicolau, existem várias outros grupos de crianças, adolescentes, jovens e adultos espalhados por São Vicente que no último dia do ano saem de porta em porta desejando feliz ano aos amigos e vizinhos.

// Lusa

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