/

A queda do primeiro unicórnio português. O que aconteceu à Farfetch?

3

Fundação José Neves

José Neves, o diretor executivo e fundador da Farfetch

A Farfetch desceu do céu ao inferno. Depois de ter sido o primeiro unicórnio português, por ter atingido uma avaliação de mil milhões de euros, está em queda no mercado e prepara o despedimento de milhares de trabalhadores. Mas, afinal, o que aconteceu à empresa?

Fundada pelo português José Neves, a Farfetch nasceu em 2008 como uma plataforma online dedicada à venda de artigos de moda de luxo.

Actualmente, está presente em vários países, ligando os seus clientes às mais importantes marcas internacionais de roupa e acessórios de gama alta.

A empresa que inclui entre os seus accionistas a gigante de tecnologia chinesa Alibaba e o conglomerado de luxo suíço Richemont, foi considerada “o primeiro unicórnio português”, ultrapassando uma avaliação de mercado de mil milhões de euros.

Além disso, ainda em Maio deste ano, aparecia na lista das 20 empresas mais atractivas para os trabalhadores em Portugal.

Contudo, a Farfetch tem registado quedas no crescimento de ano para ano e já vem implementando medidas de redução de custos, incluindo despedimentos, desde há algum tempo.

Também decidiu encerrar o seu negócio de beleza no final de Agosto deste ano.

Quedas nos EUA e China decisivas para a Farfetch

Na verdade, foi em Agosto que os rumores de dificuldades financeiras ganharam força com a divulgação dos resultados do segundo trimestre de 2023.

A Farfetch apresentou receitas de 572 milhões de dólares, o que constitui uma queda de 1,3%, ficando abaixo das expectativas dos analistas em 12%.

Esta queda está relacionada com uma redução nas encomendas dos retalhistas para as estações de Outono e Inverno devido ao “excesso de stocks”, referem
analistas consultados pela JingDaily, publicação sobre tendências de consumo de luxo na China.

“Temos visto um cliente de luxo menos dinâmico nos EUA” e “na China continental”, dizia, na altura, o fundador e CEO da Farfetch, José Neves, num comunicado emitido pela empresa.

“A realidade é que a recuperação não tem sido tão robusta como esperávamos quando divulgámos os nossos resultados do primeiro trimestre”, assumiu também José Neves.

A queda das receitas nos EUA e na China foi decisiva para este cenário mais negativo, algo que foi também sentido por várias marcas de luxo nos últimos tempos.

No seguimento da reabertura pós-covid, havia muito optimismo em diversos sectores, mas os ânimos foram resfriando, nomeadamente no caso da Farfetch que foi muito afectada pela volatilidade do mercado nos EUA, tal como no caso de outras empresas.

Essa queda no consumo do mercado de luxo norte-americano levou as marcas a virarem-se para a China, esperando que este país compensasse as perdas da América do Norte, e também da Europa.

Contudo, a desaceleração da economia chinesa não trouxe a resposta pretendida face a “uma crise de confiança do consumidor”, como reporta a JingDaily.

A par disso, é preciso acrescentar também a paralisação da Rússia em 2022, devido às sanções económicas impostas depois da invasão da Ucrânia.

No meio de um cenário de crise mundial, todo o mercado de retalho está em dificuldades e nada disso contribui para as contas da Farfetch.

Entretanto, a empresa está a ser alvo de uma acção judicial nos EUA por, alegadamente, ter prestado informações “enganadoras” que penalizaram os investidores, o que pode agravar ainda mais o cenário.

Dias negros

Todos estes sinais negativos estavam no ar, mas nunca foram tão evidentes como nestas últimas semanas, quando vários episódios agravaram a queda do valor da Farfetch no mercado.

A empresa começou por cancelar a apresentação dos resultados trimestrais. Depois, surgiram rumores de que o grupo Richemont não pretendia colocar mais dinheiro na Farfetch, e notícias de que estaria em conversações com investidores para retirar-se da Bolsa de Valores de Nova Iorque.

Entretanto, avançou-se que a empresa pode ver-se obrigada a dispensar 25% dos trabalhadores – estão em causa cerca de dois mil colaboradores, não se sabe ainda em que países.

Em 2021, a Farfetch atingiu o seu pico, com um valor de 23 mil milhões de dólares, depois do boom das compras online no âmbito da pandemia.

Mas as acções da empresa já perderam mais de 95% do seu valor desde que se lançaram na Bolsa de Nova Iorque, em 2018. Actualmente, valem cerca de 0,74 euros por unidade.

Futuro da Farfetch é uma incógnita

A realidade negativa já levou a Farfetch a alterar as previsões que tinha e projectou o valor bruto total das mercadorias, ou seja, o valor total dos pedidos processados em vendas, em cerca de 4,4 mil milhões de dólares para 2023.

Trata-se de uma redução “bastante significativa” nas projecções anteriores que eram de 4,9 mil milhões de dólares, como referia o analista Marvin Fong em declarações à Reuters.

“A grande dúvida é se a nova perspectiva é suficientemente conservadora, dadas as questões pendentes no que diz respeito (aos EUA e à China)”, acrescenta Fong, sublinhando que também está em causa “a credibilidade da gestão” que pode complicar as coisas.

Entretanto, é o próprio modelo de negócio da empresa que é questionado. “A Farfetch continua a ser um negócio extremamente difícil de compreender, com fundamentos altamente voláteis e um dos modelos mais confusos no nosso espaço (de cobertura)”, notam analistas da consultora de investimentos Wedbush.

Susana Valente, ZAP //

3 Comments

  1. “… um dos modelos de negócio mais confuso…”
    Eu acho que é tão confuso que nem o Sr. José Neves sabe exactamente como funciona LOL
    Um “dropshipping” demasiado complicado. Que podia ser muito simplificado com uma subscrição do Shopify…
    E que tem 8000 funcionários que ninguém sabe (nem mesmo os funcionários) o que lá estão exactamente a fazer…

  2. Talvez tenha sido no inicio da empresa mas recordo-me de ao longo de cerca de 10 anos a Farfetch ter dado consecutivamente grandes prejuízos, e sabe-se lá porquê a maioria da imprensa atuava como uma agência de propaganda, anunciando enorme sucesso.
    Seria bom que os jornalistas não se deixassem levar, contribuindo para ações de propaganda, provavelmente destinadas a enganar potenciais investidores.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.