A ONG Human Rights Watch escrutinou mais de 100 leis e políticas e realça que as autoridades “não devem retirar arbitrariamente o acesso das raparigas à educação como castigo por terem engravidado”.
As jovens adolescentes grávidas enfrentam significativas barreiras legais e políticas para continuar a sua educação formal em quase um terço dos países africanos, de acordo com um relatório da organização não-governamental (ONG) Human Rights Watch esta terça-feira divulgado.
Não obstante a maioria dos governos africanos proteger o acesso à educação através de leis, políticas, ou medidas para estudantes grávidas ou mães adolescentes, há ainda muito caminho a percorrer no domínio da implementação, monitorização e aplicação de políticas a nível escolar.
“Sem tais medidas, dezenas de milhares de estudantes em toda a África continuarão a ser excluídos”, afirma o relatório da Human Rights Watch (HRW), assente num novo índice interativo que compila leis e políticas relacionadas com a gravidez adolescente em escolas de todos os 54 países-membros da União Africana (UA), detalha essas leis e políticas, assim como as deficiências na proteção do acesso à educação por parte das jovens.
“Muitas raparigas grávidas e mães adolescentes em África continuam a ver negado o seu direito básico à educação por razões que nada têm a ver com o seu desejo e capacidade de aprender”, sublinhou Adi Radhakrishnan, bolseiro patrocinado pela HRW no programa de direitos humanos Leonard H. Sandler, acessível aos doutorados em direito pela Universidade de Colúmbia.
“As autoridades não devem retirar arbitrariamente o acesso das raparigas à educação como castigo por terem engravidado”, acrescentou Radhakrishnan.
A HRW escrutinou mais de uma centena de leis e políticas relacionadas com a educação, estratégias de equidade de género, e políticas e planos de saúde sexual e reprodutiva em toda a UA.
Trinta e oito dos 54 países africanos têm leis, políticas, ou medidas que protegem a educação das raparigas adolescentes durante a gravidez e a maternidade, sendo que recentemente, alguns destes países inverteram anteriores políticas negativas.
Em março de 2022, o Togo revogou uma circular de 1978 que proibia as estudantes grávidas e as mães adolescentes de frequentarem escolas.
Em 2019, o Níger revogou uma lei que excluía temporariamente da escola as raparigas que ficavam grávidas e expulsava permanentemente as estudantes casadas, substituindo-a por uma nova política que protege explicitamente o seu direito à educação. Pelo menos 10 membros da UA não têm leis ou políticas relacionadas com a retenção nas instituições de educação de estudantes que estão grávidas ou são mães adolescentes.
Muitos também não têm políticas adequadas para prevenir e gerir a gravidez de adolescentes, excluindo-as do direito ao acesso a cuidados de saúde reprodutiva e educação sexual abrangente.
Entre este grupo estão principalmente países do Norte de África ou do Corno de África, com leis e políticas problemáticas, que tornam o comportamento sexual fora do casamento um delito criminal e interferem com o direito das raparigas à educação.
A maioria dos países desta sub-região africana carece de políticas relacionadas com a gestão da gravidez na adolescência e o tratamento de estudantes grávidas nas escolas.
Na Líbia, Mauritânia e Marrocos, as raparigas e mulheres que têm relações sexuais fora do casamento arriscam-se mesmo a pesadas penas e punições criminais, sublinhou o relatório.
Noutras partes do Norte de África, as raparigas e mulheres com filhos nascidos fora do casamento são frequentemente vistas como trazendo desonra às suas famílias.
As raparigas nestas situações muitas vezes não são autorizadas ou, simplesmente, não têm como permanecer na escola por força da exposição ao estigma social, acentuou o texto.
Entre os países africanos de língua oficial portuguesa, o estudo apenas particulariza o caso da Guiné-Bissau, considerando positivo um projeto de lei de proteção da criança com medidas de proteção para as raparigas grávidas e mães adolescentes apresentado pelo governo guineense em março último. A HRW alertou, porém, para a dissolução do parlamento guineense em maio, que suspendeu todo o processo.
O projeto legislativo, segundo a HRW, inclui “importantes proteções para as raparigas grávidas e mães adolescentes acederem à educação e a usufruírem do apoio necessário para permanecerem na escola”.
“Os artigos 67.º e 68.º da proposta de lei asseguram que uma estudante grávida ou mãe adolescente não pode ser impedida de continuar a sua educação ou ser pressionada a abandonar a escolaridade”, sublinhou o relatório.
A proposta de lei também estabeleceu que as estudantes grávidas, ou as estudantes com um filho, devem ser apoiadas para terem acesso regular às aulas.
A ONG recordou que as escolas devem assegurar que qualquer mãe, em qualquer nível de ensino, possa amamentar o seu filho até aos 6 meses de idade, de acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde.
Acontece que o Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu o parlamento em meados de maio e convocou eleições legislativas para dezembro, pondo fim aos esforços legislativos identificados no relatório da HRW.
A organização de defesa dos direitos humanos sustenta que, na ausência do novo enquadramento legal, “o Ministério da Educação da Guiné-Bissau deveria implementar diretrizes políticas para adotar efetivamente aquelas proteções em todo o sistema educativo”.
O relatório conclui com uma série de recomendações dirigidas ao conjunto dos membros da União Africana e à própria organização pan-africana, a começar pela de todos assegurarem que as estudantes grávidas, mães, ou casadas “possam continuar a sua educação sem impedimentos ou procedimentos” dissuasivos, assim como a de garantirem que as escolas são espaços “livres de estigmas e discriminação”.
A UA deverá trabalhar com os governos no sentido de uma reforma dos sistemas educativos que consagre plena e efetiva inclusão das raparigas nas escolas públicas, e pressionando-os a “reverem as leis existentes, a removerem as políticas problemáticas que minam os direitos educativos de todas as crianças e a adotarem medidas que sejam consistentes com as suas obrigações em matéria de direitos humanos”, sustentou HRW.
“Embora muitos países africanos tenham adotado leis e políticas relacionadas com a educação das raparigas, muitos ainda carecem dos quadros específicos que permitem às estudantes grávidas e às mães adolescentes permanecer na escola ou continuar a sua educação sem barreiras discriminatórias”, afirmou Radhakrishnan.
“A União Africana deve fornecer orientações claras aos governos e instar todos os seus membros a adotarem políticas compatíveis com os direitos humanos, que garantam às estudantes a continuação da sua educação durante a gravidez e a maternidade”, acrescentou.
// Lusa