Começou por ser uma necessidade, agora é uma forma de arte. A história do vestuário tem milhões de anos, e a vaidade do Homem é ainda mais antiga.
“Usar roupas e não aparecer nu em público pode parecer perfeitamente natural para nós, mas este hábito é realmente muito invulgar”, comenta o arqueólogo Ian Gilligan com a New Scientist. “Não existem outras espécies animais que usem roupa.”
Isto se excluirmos, claro, os adornos que alguns seres vivos utilizam para chamar a atenção do sexo oposto, por exemplo, como é o caso das orcas que utilizam chapéus de salmão.
A roupa começou a surgir, claro, por necessidade. Há cerca de dois milhões de anos, os nossos antepassados começaram a perder o pelo, o que se tornou uma grande desvantagem em relação a outras espécies, que o utilizam para se protegerem do frio ou de agentes patogénicos.
Há cerca de 500 mil anos, quando as temperaturas começaram a baixar, os hominídeos começaram então a raspar a pele de animais través de ferramentas planas, transformando-a em vestuário. “Não temos vestuário dessa altura”, diz Gilligan. “Mas temos provas indiretas numa série de áreas.”
“É incrível ver esta coincidência entre as primeiras provas de uso de ferramentas de pedra para trabalhar a pele e o facto de, entre 500.000 e 400.000 anos atrás, se entrar neste período mais frio e, por vezes, com alterações climáticas muito rápidas“, diz o arqueólogo Francesco d’Errico.
Mas, nesta altura, ainda não se falava em acessórios — nem em roupa estética. Aliás, como explica Gilligan, “as pessoas usavam roupas para se manterem quentes quando necessário, mas ficavam nuas quando o tempo melhorava“.
Entretanto, pegadas de uma criança, provavelmente Neandertal, mostram que esta usava já sapatos há cerca de 120.000 anos.
Há cerca de 75.000 anos, os povos da África Austral inventaram um novo tipo de ferramenta: o furador. Estes utensílios perfurantes feitos de osso permitiram fazer costuras, o que levou a que as roupas se tornassem mais justas. Outras ferramentas posteriores, como o burin (o mais antigo de que há registos tem 39.000 anos), também ajudavam a moldar as peles.
E uma das invenções mais utilitárias de sempre neste campo foi a roupa interior, que apenas pôde começar a ser feita quando se conseguiu fazer vestuário justo ao corpo.
Este vestuário mais quente permitiu que as pessoas se expandissem para sítios para os quais não estavam fisiologicamente adaptadas. Pode até ajudar a explicar porque é que o Homo sapiens prosperou depois de ter migrado para a Europa há cerca de 45 mil anos, sugere a New Scientist.
Mas foi só com o aparecimento da agulha que a moda verdadeiramente dita surgiu.
As agulhas aparecem pela primeira vez no registo arqueológico há cerca de 40.000 anos, na caverna de Denisova, na Sibéria, mas eram raras até há cerca de 19.000 anos.
Um novo estudo de Gilligan e D’Errico publicado no ano passado na Science Advances explica que as agulhas não só permitiram que os nossos antepassados fizessem peças de vestuário mais funcionais, como também podiam criar peças mais bonitas através de bordados ou da fixação de objetos decorativos como missangas, conchas e penas.
Na verdade, vaidade dos nossos antepassados é bem mais antiga do que isso. Conchas perfuradas encontradas em África indicam que as pessoas já faziam colares há pelo menos 142.000 anos. Mas esta foi a concretização do sentido estético dos homens.
“O que as agulhas confirmam é a transição da função do vestuário de uma necessidade térmica para uma necessidade social”, resume Gilligan. “As pessoas transferiram as importantes funções sociais e psicológicas do adorno corporal da superfície da pele nua — com pinturas corporais, escarificações e tatuagens — para a superfície do vestuário”.
“O vestuário deixa de ser apenas funcional e passa a assumir estes outros aspetos simbólicos… como forma de transmitir quem somos”, diz a investigadora April Nowell.
A descoberta de que o linho fiado com 30 mil anos, encontrado na Geórgia, era tingido de preto, cinzento, turquesa e cor-de-rosa, vem confirmar esta ideia de que o homem tem, desde ha muito tempo, um sentido artístico adjacente ao vestuário. “Isto mudou completamente a forma como eu imaginava esse mundo”, comenta Nowell.
“O estudo do vestuário pode ajudar-nos a compreender aspectos como o planeamento, a previsão e a transferência de conhecimentos entre gerações”, acrescenta ainda. “E depois como é que se ensina isso ao longo de gerações – o tingimento, a estética? São coisas que se aprendem de uma geração para outra. É um conhecimento maciço e cumulativo”.
Agora, a moda ganhou outra dimensão — é usada como forma de expressão artística, para transmitir mensagens, para servir diferentes propósitos práticos mas também para afirmar uma identidade.
O que vestimos diz muito sobre nós, sobre a nossa cultura e sobre a nossa personalidade. E, se olhar para o que está a usar neste momento, vai perceber que nada disso seria possível sem uma simples agulha.