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“Bofetadas, socos, golpes com bastão”. PSP e GNR agridem detidos e Justiça fecha os olhos

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José Coelho / Lusa

Maus-tratos ainda são “persistentes”. Alerta vem do Conselho da Europa, que insistiu que as autoridades pedissem “uma revisão independente do sistema de investigação” destes casos.

Os casos de maus-tratos a pessoas detidas pela Polícia de Segurança Pública (PSP) e pela Guarda Nacional Republicana (GNR) persistem ao longo do tempo, alerta um relatório do Conselho da Europa que pede investigações eficazes como fator dissuasor para os agentes envolvidos.

De acordo com o documento do Comité para a Prevenção da Tortura e das Penas ou Tratamentos Desumanos ou Degradantes (CPT) do Conselho da Europa, divulgado esta quarta-feira e que contém as conclusões da visita a Portugal realizada em 2022, estes “alegados maus-tratos envolveram principalmente bofetadas, socos, golpes com bastão e pontapés no corpo depois de a pessoa ter sido controlada”.

A delegação desta comissão registou também “uma série de casos de algemamento excessivamente apertado”, realçando que “a prática de algemar pessoas a móveis em instalações policiais persiste”.

Os cidadãos agredidos, acrescenta ao Público o chefe de divisão no secretariado da CPT, são sobretudo estrangeiros ou afrodescendentes.

Esmurrado enquanto algemado. “Nada a relatar”

A CPT realizou, entre 23 de maio e 03 de junho de 2022, a visita a vários postos da PSP e GNR, nos distritos de Lisboa, Porto e Coimbra, e entrevistou também várias pessoas em prisão preventiva em estabelecimentos prisionais de todo o país e no Campus da Justiça de Lisboa, que tinham sido detidas recentemente pela PSP, pela GNR e pela Polícia Judiciária (PJ).

Num dos relatos, um homem denunciou ter sido esmurrado em ambos os olhos por agentes da PSP quando já estava algemado e de ter sido novamente agredido depois de manifestar vontade de apresentar queixa pelos maus-tratos.

“Aparentemente, não lhe foi oferecido atendimento médico, apesar de um pedido nesse sentido”, pode ler-se no relatório sobre um caso ocorrido em Lisboa, acrescentando que, depois de este homem ter sido transferido para outra esquadra da PSP, no relatório de admissão constava “nada a relatar” quanto a lesões físicas.

Quando presente a juiz, “apesar de apresentar lesões visíveis e explicar a sua origem ao seu advogado, nem o juiz nem o advogado tomaram qualquer atitude” e posteriormente, quando transferido para o Estabelecimento Prisional Central de Lisboa, foram “constatadas nódoas negras faciais, descritas num relatório de lesões”, com estas a serem visíveis na fotografia de identificação tirada no momento da admissão.

Provas não chegam ao MP (e quando chegam, não são tomadas medidas)

A CPT sublinhou que, após as visitas em 2016 e 2019, comunicou às autoridades portuguesas que as conclusões sobre os maus-tratos, destacando a “gravidade destas constatações e a sua persistência ao longo do tempo“.

Esta comissão defendeu investigações eficazes sobre alegações de maus-tratos, que serviriam como um importante fator dissuasor para os agentes envolvidos em atos de maus-tratos e instou as autoridades portuguesas a encomendarem “uma revisão independente do seu atual sistema de investigação de alegações de maus-tratos por parte de agentes policiais”.

“No entanto, o sistema de investigação de tais casos continua disfuncional. Por exemplo, as provas de potenciais maus-tratos policiais detetadas na entrada de uma pessoa na prisão muitas vezes não são rapidamente transmitidas ao Ministério Público e/ou a outros órgãos de investigação. Mesmo depois de os casos serem transmitidos, não são tomadas medidas rápidas para iniciar uma investigação”, frisou.

Governo propôs protocolo

Na resposta à CPT, o Governo frisou que a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais está ciente da relevância do seu papel na prevenção e combate aos maus-tratos contra os reclusos, perpetrado não apenas pelo seu próprio pessoal, mas também por membros das forças policiais.

O combate deve ser feito “através da recolha e denúncia expedita de situações de suspeita de maus-tratos quando os presos ingressam no sistema prisional com a intervenção de polícias”, destacou, referindo sobre os atrasos identificados pela delegação da CPT na comunicação de situações de lesões alegadas ou visíveis, que as normas preveem comunicação imediata.

A tutela sublinhou ainda que a Inspeção-Geral da Administração Interna (IGAI) propôs um protocolo entre a própria, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Inspeção-Geral para os Assuntos de Justiça, assinado em 23 de março de 2023, que criou grupo de inspetores “para que o recluso que apresenta sinais de maus-tratos seja ouvido por um inspetor menos de 48 horas após” a comunicação do caso.

A tutela referiu ainda, na resposta ao relatório, que, em 19 de outubro de 2023, o Governo aprovou uma proposta de lei que “determina que casos de ataques cometidos por ou contra policiais no exercício das suas funções deve ser processado com urgência”, referiu.

ZAP // Lusa

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