Pela primeira vez, uma equipa de cientistas observou um cristal altamente ordenado de electrões num material semicondutor e documentou a sua fusão – algo muito parecido com o que acontece com o gelo na água.
As observações confirmam uma transição de fase fundamental na mecânica quântica, teoricamente proposta há mais de 80 anos, mas não documentada experimentalmente até agora.
A equipa, liderada pelo físico Raymond Ashoori, investigador do MIT, e Joonho Jang, usou uma técnica de espectroscopia desenvolvida no grupo de Ashoori.
O método, que foi apresentado num artigo publicado na Nature Physics, baseia-se no “tunelamento” de electrões, um processo quântico que permite aos investigadores injectar as partículas negativas com valores precisos de energia num sistema de interesse – neste caso, um sistema de electrões presos em duas dimensões.
A técnica usa centenas de milhares de pulsos eléctricos curtos para sondar uma folha de electrões num material semicondutor arrefecido a temperaturas extremamente baixas, imediatamente acima do zero absoluto.
Com a sua técnica de tunelamento, os investigadores fotografaram as partículas no material super-arrefecido para medir os estados de energia dos electrões dentro da folha semicondutora.
A equipa detectou um pico acentuado nos dados, que determinou ser exactamente o sinal que seria emitido a partir de um cristal altamente ordenado de electrões a vibrar em uníssono.
À medida que aumentava a densidade das partículas, essencialmente empacotadas em pedaços cada vez mais apertados dentro da folha, os cientistas encontraram o pico de dados a energias mais altas – até que desapareceu por completo, exactamente à densidade electrónica à qual era previsto que um cristal electrónico fundiria.
Os físicos acreditam que capturaram finalmente o processo de fusão quântica – uma transição de fase na mecânica quântica, na qual os electrões que formaram uma estrutura cristalina puramente através das suas interacções quânticas se fundem num fluido mais desordenado, em resposta a flutuações quânticas em sua densidade.
“Vimos algo radicalmente novo”, diz Ashoori à Phys.org. “Muita gente procurou durante muito tempo identificar um cristal electrónico fundindo, e eu acho que nós fizemos isso”, celebra.
Uma ideia cristalizada
A ideia de um cristal assim foi proposta pela primeira vez em 1934 pelo físico húngaro-americano Eugene Wigner. Normalmente, os metais semicondutores como o silício e o alumínio são capazes de conduzir electricidade sob a forma de electrões que vão e voltam a altas velocidades, criando uma corrente através do material.
No entanto, a temperaturas ultra-baixas, os electrões nesses metais quase param, pois há muito pouco calor para estimular os seus movimentos. Qualquer movimento que exibam, então, deve ser devido a interacções quânticas – as forças invisíveis entre partículas quânticas e subatómicas.
Os electrões, sendo negativamente carregados, repelem-se uns aos outros. Wigner propôs que, para electrões super-arrefecidos a baixas densidades, as suas forças de repulsão deveriam actuar como uma espécie de andaime, mantendo-os juntos em intervalos igualmente espaçados, criando um cristal formado pelas suas partículas.
Uma tal disposição rígida, que desde então tem sido chamada de Cristal de Wigner, deve transformar um metal num isolante em vez de um condutor eléctrico.
Através de um túnel quântico
Ashoori e Jang não estavam à procura um Cristal de Wigner, mas simplesmente a sondar uma folha bidimensional de electrões usando a sua técnica de tunelamento.
Quando Jang se apercebeu do pico muito acentuado nos dados, procurou informações na literatura teórica para o explicar, e acabou por concluir que o pico, dada a temperatura e a densidade a que se formou, só poderia ser a assinatura de um cristal de electrões a vibrar em uníssono.
“Muitas das previsões teóricas correspondem às nossas observações”, diz Jang. “Observámos o toque de um cristal de electrões”.
Os investigadores deram um passo em frente para ver o que aconteceria se alterassem a densidade de electrões na folha bidimensional. À medida que a densidade aumentava, as energias vibratórias do cristal de electrões fazia, finalmente, um pico, desaparecendo no ponto exacto em que as teorias previam que um cristal deveria fundir.
O cristal, os investigadores supuseram, deve ter-se tornado tão denso que toda a estrutura se desintegrou num estado mais desordenado e fluido. “Nunca ninguém olhou para este sistema com este tipo de resolução”, diz Ashoori.
A equipa está a trabalhar para melhorar ainda mais a resolução da sua técnica de tunelamento electrónico, na esperança de a usar para prever as formas específicas dos cristais electrónicos.
“Diferentes cristais têm diferentes modos de vibração, e se tivermos melhor resolução, poderemos determinar se há certos picos na curva de vibração que significam diferentes modos, ou formas”, diz Ashoori.
“Há razões para acreditar que podemos determinar isso com o tempo”, concluiu o cientista.
ZAP // HypeScience
Que viagem e essa vei!