Um dos primeiros lares de idosos dos EUA era, afinal, uma “fábrica de assassinatos”

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Na sua casa de repouso, a proprietária Amy Archer-Gilligan tinha liberdade para matar. Os moradores da Casa Archer para Idosos e Indigentes estavam a morrer a um ritmo alarmante: quarenta e oito entre 1911 e 1916. Embora possa parecer normal num lar de idosos, a verdade é que estes estavam a ser envenenados.

A Casa Archer localizava-se em Windsor, no Connecticut, Estados Unidos (EUA). Era administrada pela viúva Amy Archer-Gilligan, que frequentava a igreja. Na verdade, ela era viúva duas vezes, tendo inaugurado o lar com o primeiro marido, John Archer, em 1907, segundo um artigo do OZY, publicado esta segunda-feira.

No início do século 20 os lares de idosos eram um conceito relativamente novo. Nesse sentido, Amy Archer-Gilligan foi considerada uma pioneira na área da saúde, num período em que a supervisão por parte do governo era praticamente inexistente.

Em 1909, contudo, os administradores foram processados ​​pela família de um inquilino – ou recluso, como eram curiosamente chamados na época – devido a “falta de cuidado”, segundo relatou um artigo publicado pela Sociedade Histórica de Windsor e escrito pela sua diretora executiva, Christine Ermenc.

Em tribunal, os Archers pagaram cinco dólares (cerca de 4,6 euros), uma quantia elevada naquela época, especialmente tendo em conta que a taxa de assistência vitalícia na Casa Archer era de um dólar (aproximadamente 0,91 cêntimos). Alguns inquilinos pagavam por semana, o que pode ter levado a que tenham tido uma vida mais longa.

Amy Archer-Gilligan

John Archer faleceu em 1910, deixando Amy Archer-Gilligan com uma filha de 12 anos para sustentar e impostos atrasados para pagar. Quando os corpos começaram a acumular-se no Casa Archer, a proprietária casou-se com o viúvo Michael Gilligan, no final de 1913. Este acabou por falecer poucos meses depois, em fevereiro de 1914. Antes de morrer, teve tempo para elaborar um novo testamento, deixando os seus bens para a nova esposa.

Alguns meses depois, em maio de 1914, um prisioneiro da Casa Archer chamado Franklin Andrews morreu. Este estava a trabalhar ao ar livre na propriedade naquele dia. A sua irmã, Nellie Pierce, suspeitou de que algo de errado estava a acontecer. Franklin Andrews já lhe tinha escrito, mencionando inúmeras mortes de outros residentes. Entre os bens do irmão, Nellie Pierce encontrou cartas nas quais Amy Archer-Gilligan lhe pedia dinheiro.

Nellie Pierce levou as suas suspeitas ao jornal Hartford Courant. O editor Clifford Sherman registou a dica e os repórteres fizeram alguma pesquisa, tendo constatado a perturbadora taxa de mortalidade na Casa Archer nos anos anteriores. Observaram também um padrão: muitas dessas mortes estavam ligadas a doenças relacionadas com o estômago.

Os repórteres logo descobriram que Amy Archer-Gilligan havia adquirido uma quantidade impressionante de arsénico pouco antes da morte do segundo marido – juntamente com doses regulares de morfina, que ela mesma consumia.

A polícia foi informada e o corpo de Franklin Andrews foi exumado. O seu cadáver estava no túmulo há dois anos quando foi desenterrado. “O corpo estava bem preservado, assim como as roupas”, relatou o Courant em 26 de junho de 1917. “O estômago, antes da autópsia, parecia estar inchado”.

Quando fez a autópsia, o médico Arthur J. Wolff descobriu vestígios de arsénico. Alice Gowdy, que ocupou o quarto de Franklin Andrews, morreu apenas seis meses após chegar à Casa Archer. A sua autópsia também revelou arsénico. Foi encontrado veneno em mais três corpos, incluindo o de Michael Gilligan, o segundo marido de Amy Archer-Gilligan.

Seguiram-se cinco acusações de assassinato, no entanto, por razões que ainda não estão claras, Amy Archer-Gilligan foi julgada apenas pela morte de Franklin Andrews. Mas era suspeita de ter matado entre 24 e 48 pessoas. “Eu não sou culpada e vou me enforcar antes que o provem”, disse Amy Archer-Gilligan à polícia enquanto a arrastavam.

O julgamento atraiu multidões. O aspirante a dramaturgo Joseph Kesselring acompanhou o caso na adolescência, usando-o como inspiração para o seu sucesso da Broadway em 1941, intitulado Arsenic e Old Lace. A peça foi posteriormente adaptada para um filme, igualmente bem-sucedido.

Amy Archer-Gilligan, então com 43 anos, foi considerada culpada em julho de 1917 e condenada à morte por enforcamento. Mas apelou – o governador de Connecticut, Marcus Holcomb, concedeu-lhe um indulto – e recebeu um novo julgamento em 1919. Desta vez, os advogados alegaram insanidade. Declarou-se finalmente culpada de assassinato em segundo grau e foi condenada à prisão perpétua.

Curiosamente, foi declarada mentalmente incapaz cinco anos depois. Acabou por morrer a 23 de abril de 1962, no Hospital Geral para Insanos de Connecticut, em Middletown.

A “fábrica de assassinatos” ainda está de pé. A antiga Casa Archer foi remodelada para apartamentos e os crimes de Amy Archer-Gilligan foram esquecidos.

“A maioria dos moradores não conhece a história”, disse Christine Ermenc. “De vez em quando, recebemos visitantes na nossa biblioteca – estudantes do ensino médio ou pessoas de fora da cidade – que vêm especificamente para obter mais informações sobre Amy Archer-Gilligan. Mas é algo pontual”, acrescentou.

TP, ZAP //

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