A portuguesa que interrompeu um direto da Sky News durante um protesto em Londres contra o Brexit foi transferida para a Escócia por receio de represálias.
A portuguesa que se tornou num fenómeno nas redes sociais após uma intervenção na televisão britânica durante um protesto em Londres contra o Brexit, na quarta-feira, foi transferida para a Escócia por receio de represálias.
“Quero ficar na Escócia por mais algum tempo a trabalhar porque estou mais segura. Tenho medo de ir no autocarro agora, vou ter medo de andar no metro e de andar na rua”, confessou Ana Rocha à Lusa.
A técnica de saúde, especializada em cuidados a pessoas com deficiências, participou na quarta-feira numa manifestação em Westminster contra a suspensão do Parlamento durante cinco semanas anunciada pelo governo de Boris Johnson e decidiu interromper uma reportagem em direto da Sky News.
A intervenção apaixonada, cujo excerto em vídeo se espalhou rapidamente, recebeu manifestações de apoio por pessoas que se identificaram ou que são solidárias com a situação incerta dos cidadãos europeus, mas também gerou críticas nas redes sociais e levantou suspeitas sobre o tom dramático da portuguesa, questionando a sua autenticidade.
Residente no Reino Unido há cerca de 20 anos, a lisboeta tem formação de atriz, admitindo: “Quando as pessoas descobrirem que faço teatro, vão dizer que é fake news“. Porém, garante que a intervenção foi espontânea e sincera e um resultado da “mágoa” que sente com o processo de saída do Reino Unido da União Europeia e as injúrias xenófobas de que já foi vítima.
“Sou uma pessoa muito sensível e aquilo aconteceu e se calhar foi a hora H, porque ressoou por aí. Sou portuguesa, tenho fado dentro mim, e encheu-se o saco. Estou mesmo triste porque eu vi a destruição de um país que eu amo e me ensinou imensas coisas. Dói muito ver esta sociedade destruída”, explicou por telefone à Lusa.
Na intervenção, Ana Rocha refere-se as dificuldades que teve em obter o estatuto de residente no país através de um sistema de regularização migratório aberto pelo ministério do Interior britânico.
À Lusa, disse que vai ter de recomeçar o processo iniciado através da empresa para quem trabalha devido a um equívoco com o número de segurança social, mas ressente-se da desconfiança com que foi tratada.
“Disseram-me que não estava me estavam a encontrar no sistema, como se eu estivesse a mentir”, queixou-se. Espera resolver o problema em breve, graças a amigos e ao apoio de uma organização onde soube que trabalha uma compatriota portuguesa.
Quando à exposição mediática que teve, não rejeita usá-la para denunciar abusos e injustiças relacionadas com o Brexit, nomeadamente sentidos pelos portugueses. “Agora apetece-me falar. Estou farta de estar calada, de ir para o emprego e de estar calada, de ouvir insultos no autocarro e no metro e de toda a gente ter estas opiniões completamente disfuncionais sobre o que é que os imigrantes fizeram neste país”, afirmou.
Portugueses no Reino Unido “podem estar tranquilos”
O secretário de Estado das Comunidades Portuguesas garantiu esta sexta-feira que os portugueses residentes no Reino Unido “podem estar tranquilos”, apontando que entende “a ansiedade dos cidadãos” face ao Brexit, mas “o Estado português está preparado”.
“A importante mensagem que queremos passar é que devem estar tranquilos. Devem também estar tranquilos porque o Estado português preparou-se para fazer face à contingência resultante da decisão das autoridades e do povo britânico. E há dias foi o próprio primeiro-ministro britânico quem contactou o primeiro-ministro português para lhe transmitir uma mensagem de tranquilidade quanto ao futuro dos portugueses no país”, disse José Luís Carneiro.
O governante falava no Porto após terem sido divulgadas reportagens que dão conta de portugueses residentes no Reino Unido com dificuldade em obter o estatuto de residente, documento conhecido como “Settlement Scheme”, que dá acesso a cuidados de saúde, questões de trabalho, bem como acesso à escola e universidades.
No caso de saída sem acordo do Reino Unido da União Europeia, as candidaturas ao “Settlement Scheme” podem ser apresentadas até 31 de dezembro de 2020, enquanto no caso de saída com acordo a candidatura pode ser efetuada até 30 de junho de 2021.
José Luís Carneiro também frisou que os consulados de Londres e Manchester foram reforçados em meios humanos, infraestruturas tecnológicas e meios informáticos, bem como alargados os horários. E contou que a linha Brexit, que começou a funcionar a 1 de abril, apoiou mais de 30 mil cidadãos portugueses no Reino Unido que pediram esclarecimentos.
“Temos vindo a atender cerca de 6.000 pessoas por mês”, disse o governante, que somou às medidas as chamadas Permanências Consulares, uma ação que resulta na ida de funcionários dos consulados aos pontos mais recônditos do Reino Unido de forma a garantir que os portugueses acedem aos serviços. Segundo o secretário de Estado, as próprias autoridades britânicas “já realizaram mais de 40 sessões de esclarecimento”.
“Temos indicadores que mostram que podemos estar tranquilos. Dos cerca de 300 mil portugueses com residência no Reino Unido, mais de 92 mil já pediram o estatuto de residente no Reino Unido, a esmagadora maioria teve autorização concedida. Quanto à minoria, esta tem sido notificada para apresentar documentos em causa”, afirmou.
Dessa minoria faz parte Ana Rocha, a portuguesa que participou na quarta-feira numa manifestação em Westminster, contra a suspensão do parlamento durante cinco semanas anunciada pelo governo de Boris Johnson, e interrompeu uma reportagem em direto da Sky News.
José Luís Carneiro garantiu esta sexta-feira que a portuguesa natural de Macedo de Cavaleiros já foi contactada e que as questões pendentes para que lhe seja concedido estatuto de residente estão a ser tratadas.
O governante admitiu que possa ter havido um “erro no registo do número de segurança social” de Ana Rocha e “dificuldades” na emissão do passaporte eletrónico devido a uma greve que ocorreu nos serviços em Portugal no verão. Já sobre a linha Brexit, dados entretanto remetidos à agência Lusa dão conta de que, entre abril e julho, foram atendidas 22.268 chamadas, das quais 10.459 eram pedidos de informação e 11.799 para efeitos de agendamento de atendimentos.
Foram ainda respondidas 13.675 mensagens de correio eletrónico enviadas por cidadãos portugueses para este serviço.
O gabinete do secretário de Estado das Comunidades acrescentou que, ao abrigo do Plano de Contingência para a saída do Reino Unido da União Europeia, os Consulados Gerais de Portugal foram reforçados com a colocação de 12 novos colaboradores: oito em Londres e quatro em Manchester.
ZAP // Lusa