Ainda não há casos em Portugal da misteriosa hepatite aguda que está a afectar crianças de vários países, incluindo Espanha. Autoridades nacionais estão “preparadas para o que der e vier”.
O Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) já marcou uma reunião de emergência para analisar o surto de hepatite aguda atípica que está a afectar crianças em diversos países, como Espanha, Reino Unido e EUA.
Até agora, não há casos em Portugal, como explica à Rádio Renascença o director do Programa Nacional para as Hepatites Virais, Rui Tato Marinho.
Este responsável nota que há “cerca de 170” casos registados “em todo o mundo”, com a peculiaridade de se localizarem em países do hemisfério norte.
“Sabe-se que em 10% dos casos, em dez crianças afectadas, uma necessita de um transplante para conter a chamada hepatite fulminante, como se o fígado fosse destruir-se assim muito rapidamente, de uma forma fulminante”, nota ainda Tato Marinho na Renascença.
O especialista realça que pode estar em causa uma nova hepatite causada por “um vírus chamado adenovírus” que é bastante comum na comunidade e que “provoca infecções respiratórias e gastroenterites”.
Contudo, “há hipótese que seja um vírus modificado, chamado adenovírus 41, mas não há certeza absoluta”, salienta Tato Marinho.
“Estamos preparados para o que der e vier“, assegura ainda o director do Programa para as Hepatites Virais, salientando que “temos uma excelente rede de pediatria, de medicina geral e familiar, de urgências”.
E “os médicos do transplante hepático que se faz em Coimbra, em crianças, também estão preparados, estão em contacto permanente connosco e com as estruturas europeias”, acrescenta.
“Quase metade das infecções têm em comum o adenovírus”
Até agora, o Reino Unido tem 114 casos registados desta hepatite aguda misteriosa em crianças, segundo dados apresentados no Congresso da Sociedade Europeia de Microbiologia Clínica e Doenças Infecciosas (ECCMID na sigla original) em Lisboa.
Espanha soma 13 casos, Israel regista 12, os EUA têm 9, a Dinamarca soma 6, a Irlanda reporta 5, a Holanda e a Itália contam 4 casos cada, Noruega e França têm 2 cada.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) já revelou ter morrido uma criança vítima desta hepatite aguda de origem desconhecida, sem revelar em que país.
A investigadora do ECDC, Aikaterini Mougkou, referiu no congresso em Lisboa que, nesta altura, “todas as hipóteses permanecem abertas”, notando que o adenovírus 41 é uma dessas hipóteses em cima da mesa.
Em Espanha, foram detectados casos em crianças com idades entre os 18 meses e os 16 anos, sendo que a maioria dos infectados tem menos de 5 anos. Um dos casos precisou mesmo de fazer um transplante de fígado e foi o único que deu positivo para o adenovírus, de acordo com o jornal espanhol El Mundo.
Em termos globais, esta publicação aponta que “quase metade das infecções misteriosas em menores têm em comum” o adenovírus e, “em 18 casos, identificou-se o sub-tipo F41”.
Crianças podem estar mais “susceptíveis” devido aos confinamentos
Os adenovírus são muito comuns nos humanos, causando infecções nas vias respiratórias, nos olhos, intestino, fígado, tracto urinário e nos adenoides.
Estudos anteriores já tinham assinalado alguns adenovírus “como possível causa da falência hepática em crianças“, explica ao El Mundo o professor de Microbiologia, Raúl Rivas, da Universidade de Salamanca, em Espanha.
Contudo, essa associação entre os adenovírus e a falência hepática tem sido incomum. Portanto, poderemos estar perante “uma nova variante” de adenovírus com “um perfil mais hepatotrópico”, ou seja, “com maior capacidade para produzir dano no fígado”, considera ao El Mundo o chefe de serviço de Doenças Infecciosas do Hospital Universitário Virgen Macarena de Sevilha, Jesús Rodríguez-Baño.
A médica britânica Meera Chand, que participou no congresso em Lisboa, avança ainda a possibilidade de as crianças poderem estar mais susceptíveis ao adenovírus devido aos confinamentos motivados pela pandemia de covid-19.
Assim, segundo nota Chand ao The Telegraph, pode estar em causa “um factor de susceptibilidade” devido a uma “falta de exposição anterior” ao adenovírus.
Porém, nesta altura, sobram as dúvidas porque não sabemos “se todos os casos são graves”, nem “se o que estamos a ver é a ponta do iceberg que, por baixo, esconde muitos outros casos mais leves”, assinala Rodríguez-Baño ao El Mundo.
Os contágios por adenovírus podem ocorrer de forma muito fácil “através do ar ou pela água, mediante a contaminação fecal-oral”, explica ao El Mundo o professor Raúl Rivas.
Os sintomas verificados em crianças afectadas por esta hepatite aguda misteriosa envolvem dor abdominal, vómitos, diarreia, cansaço ou febre, que são comuns a várias outras doenças e infecções infantis. O diagnóstico de hepatite só pode ser feito após análises.