/

Porque é que os atletas correm sempre contra os ponteiros do relógio?

Nas mais variadas provas desportivas com um percurso circular, os atletas correm no sentido anti-horário. É uma questão de tradição, uma tendência natural, segue o sentido da leitura, ou tem a ver com o Efeito Coriolis?

Se alguma vez assistiu a provas de atletismo, corridas de cavalos, ciclismo indoor ou (pasme-se) basebol, deve ter reparado que em todas estas modalidades os atletas correm no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio.

Porque é que isto acontece e porque é que parece ser a norma a nível mundial?

Há quem defenda que é uma tradição antiga, mas essa tradição não se usou ininterruptamente — nem em todos os eventos, explica o IFLS. Por exemplo, os corredores de Oxford e Cambridge correram no sentido dos ponteiros do relógio até aos anos 40.

O percurso no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio é no entanto usado há muito tempo — os corredores da Grécia Antiga e as quadrigas de Roma corriam nesse sentido.

Segundo um estudo publicado em 2013 na International Journal of Educational Development, “diz a lenda que as corridas de quadrigas no Circus Maximus de Roma, no século VI a.C., corriam tradicionalmente no sentido dos ponteiros do relógio, até que um azarado condutor atingiu acidentalmente o imperador Nero no face com o seu chicote”.

“O condutor foi imediatamente executado por Nero e, no dia seguinte, todas as corridas passaram a ser disputadas no sentido oposto, ou seja, contrário ao dos ponteiros do relógio”, acrescenta o estudo.

O Efeito Coriolis

A mera tradição não parece no entanto ser explicação plausível para que invariavelmente as provas desportivas decorram no sentido dos ponteiros do relógio, e alguns investigadores tentaram avançar com explicações científicas — ou pelo menos com uma razão racional.

Há quem sugira que a escolha tem a ver com o Efeito Coriolis — a força exercida pelo movimento de rotação da Terra que, no Hemisfério Norte, faz com que a água escorra do lavatório no sentido anti-horário.

“Devido ao efeito da rotação da Terra, um atleta que corra no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio terá uma ligeira vantagem, resultando num tempo mais rápido”, tenta explicar um utilizador no The Sporting Life do The Guardian.

No hemisfério sul, este efeito é inverso, mas, como o desporto cresceu no hemisfério norte, as corridas no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio mantiveram-se, apesar do estatuto internacional do atletismo“, acrescenta o utilizador.

“A prova deste fenómeno é que nenhum dos atuais recordes mundiais de atletismo foi estabelecido a sul do equador”, considera o utilizador.

Talvez haja outras explicações para a preponderância do Hemisfério Norte nos recordes mundiais, entre as quais o maior número de provas que aí decorrem, mas é uma explicação mais plausível do que a deixada, humoristicamente, por um outro utilizador: “talvez porque estejam a correr contra o relógio?”

Então, as provas desportivas que se realizarem no Hemisfério Sul deveriam ser disputadas no sentido inverso?

Na verdade, há poucas provas de que o Efeito Coriolis tenha impacto na performance dos atletas — e há quem saliente que obrigar os atletas, a sul do Equador,  a correr no sentido horário, iria provavelmente prejudicar o seu desempenho.

Esta ideia é sustentada no facto de a maior parte das pessoas serem dextras, ou seja, têm um lado direito dominante — pelo que correr no sentido anti-horário faz sentido, porque obriga a perna dominante a trabalhar (ligeiramente) mais quando se vira.

Isto dá aos atletas vantagem quando correm numa pista no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, porque permite que a sua perna mais poderosa permaneça do lado de fora, facilitando as curvas, explica o IFLS.

Com efeito, quando corremos no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio, damos passos mais longos com a perna direita — o que permite mais propulsão e velocidade nas curvas (se tivermos o lado direito dominante, claro).

A tendência natural

Um estudo publicado em 2013 na Neuroscience Letters encontrou algumas evidências que sugerem que os humanos preferem de facto correr nessa direção.

“Testámos o comportamento espontâneo de 13 adultos que tinham de correr à volta de um círculo num espaço vazio e simétrico, em função da posição inicial (a partir da esquerda, centro ou direita) e da direção do olhar (para 1 de 5 alvos que iam da esquerda para a direita)”, lê-se no estudo.

Os autores da pesquisa observaram uma significativa tendência global para rodar no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio em todas as condições.

“Isto foi particularmente notório quando os participantes tiveram de começar na posição central e olhar em frente antes de começar. Mais de 80% dos participantes a virarem-se no sentido contrário ao dos ponteiros do relógio nesta condição perfeitamente simétrica“, notam os investigadores.

“A posição inicial, o olhar e a direção da cabeça modulavam a tendência, sem mascarar a tendência anti-horária”, concluem os autores do estudo.

A pesquisa identificou a tendência, mas não encontro no entanto a causa.

Os espetadores

Outra ideia normalmente avançada é que o sentido contrário ao dos ponteiros do relógio parece mais agradável para o público, que assim pode ver os atletas a deslocarem-se da esquerda para a direita — a direção em que, na maior parte das línguas, as pessoas estão habituadas a ler.

A explicação aplica-se, por exemplo, aos casos das provas de velocidade, mais curtas — os 100m, 200m ou 400m — que decorrem numa reta. Não há curvas, não se aplica a questão do lado dominante ou do Efeito Coriolis ou da tendência natural para escolher um sentido num círculo — apenas espetadores a olhar.

Mas a ideia não explica por que motivo os 13 participantes no estudo acima referido, que não estavam propriamente a correr para o espetáculo, preferiram fazê-lo no sentido anti-horário.

Assim, embora a tradição e a dominância do lado direito possam ter um papel importante, o fator principal estará ligado à necessidade de normalização das provas desportivas — que, de outro modo, seriam disputadas de forma bastante arbitrária.

ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.