Contam-nos muitas histórias quando somos crianças. Uma das mais inofensivas destas pequenas mentiras é sobre as conchas do mar.
Dizem-nos que se levarmos uma concha ao ouvido podemos ouvir o mar. Mas isso não pode ser verdade – a não ser que alguém ande por aí a enfiar pequenos altifalantes dentro de todas as conchas do mundo, relatou o IFL Science. No entanto, é uma das lendas urbanas mais credíveis – pela simples razão de que funciona.
A verdade é que quando levamos a concha ao ouvido escutamos um som semelhante ao oceano no seu interior. Mas se não é o mar que estamos a ouvir, é o que?
Há explicações para o fenómeno. “Uma explicação popular (mas errada) é que está a ouvir o seu próprio sangue a correr”, escreveu em 2012 Karl Kruszelnicki, um comunicador científico australiano conhecido como “Dr. Karl”.
Quando pousamos a cabeça numa almofada, ouvimos o nosso sangue a pulsar na cabeça, apontou Kruszelnicki. Até Carl Sagan apoiou essa ideia, escrevendo em 1973 que “todos conhecem o ‘som do mar’ a ser ouvido quando se põe uma concha ao ouvido. É realmente o som muito amplificado do nosso próprio sangue a correr”.
No entanto, por muito popular que essa teoria seja, é fácil de refutar. “Pressione o seu ouvido contra a concha e ouça, depois corra durante alguns minutos na praia para aumentar o fluxo de sangue no corpo e ouça novamente a concha”, escreveu Kruszelnicki. “Descobrirá que o ruído do ‘som do mar’ ainda é o mesmo”, indicou.
Se estivéssemos realmente a ouvir o som do nosso sangue a correr pelo corpo, não seria esse o caso: o exercício faz aumentar a pressão sanguínea e a pulsação, o que intensificaria assim os supostos sons “refletidos” pela concha.
Sabemos também que os nossos ouvidos internos estão constantemente a deslizar com endolinfa e perilinfa – é o que mantém o nosso equilíbrio. Segurar uma concha no exterior desse órgão amplificaria o ruído do líquido e iria direcioná-lo de volta aos nossos orifícios de audição.
Mas como o fluído do ouvido interno está em movimento, para essa teoria estar correta, sempre que movêssemos as cabeças o som da concha mudaria dependendo do ângulo e da direção que seguíssemos.
Finalmente, há a ideia de que o “mar” que se ouve na concha é na realidade ar – ar a fluir através da concha e para fora novamente, o que cria um ruído fluente. Esta teoria é mais difícil de refutar do que as outras, porque necessita de algum equipamento bastante especializado – como uma sala à prova de som.
“Não ouvirá nada numa sala completamente à prova de som”, confirmou à Live Science Andrew King, diretor do Centro de Neurociências Integrativas da Universidade de Oxford e diretor do Grupo de Neurociências Auditivas de Oxford. “O ruído de fundo deve estar presente”, continuou.
Esta é a maior pista sobre o que realmente se passa: os sons que ouvimos “dentro” das conchas não vêm de dentro do nosso corpo, mas sim do ambiente.
“Estamos a ouvir ruído ambiente ou de fundo que foi aumentado pelas propriedades físicas da concha”, explicou King. Ele “atua como um ressonador, aumentando certas frequências sonoras, de modo que são mais altas do que seriam sem a concha colocada junto ao seu ouvido”, acrescentou.
Os sons específicos que ouvimos dentro de uma concha dependem da forma exata da própria concha: as superfícies duras e curvas dentro da concha fazem com que as ondas sonoras que entram saltem em volta, amplificando algumas frequências enquanto amortecem outras.
“As conchas sonoras ‘capturadas’ tendem a ser aquilo a que os cientistas chamam de sons de frequências mais baixas. Pense neles como sons mais profundos, ou mais sonoros”, escreveu Chris Brennan-Jones, da Universidade de Curtin, num artigo de 2022 para a The Conversation.
“O som do oceano é também um som de baixa frequência. É por isso que soa semelhante aos sons capturados numa concha”, explicou.
As conchas podem ser a mais poética das formas de experimentar esta ressonância, mas não é o único método – praticamente qualquer superfície convexa serve. Se estiver na cozinha pode levar uma chávena de chá ao ouvidos, ou as mãos em forma de concha, e pode alcançar o mesmo efeito, embora em menor grau.
Na verdade, mesmo a forma natural das nossas próprias orelhas pode ser vista como um pequeno exemplo deste fenómeno.
Claro que, se tentarem esta experiência na cozinha, o som que ouvem na vossa “concha” improvisada será diferente do que se ouve numa concha junto ao mar, por duas grandes razões: o tamanho e a forma da chávena versus a concha, e o ruído ambiente – o ruído de um frigorífico é bastante diferente do ruído do mar.
Afinal de contas, se o som dentro das conchas é de facto o ruído ambiente à nossa volta, desde que permaneçamos perto do mar acaba por ser o oceano que escutamos quando levamos uma concha ao ouvido.
Não é uma concha é um búzio.
Precisamente o q/ia dizer… 🙂