Love Dalén, Peter Mortensen / Universidade de Estocolmo

Restos de um dente de mamute
Técnicas de sequenciação genética revelaram o ADN de 310 espécies microbianas associado a hospedeiro mais antigo alguma vez registado: em amostras de dentes e ossos de mamutes-lanosos e mamutes-das-estepes.
A análise de ossos e dentes de mamutes pré-históricos (Mammuthus) permitiu identificar alguns dos microrganismos que habitaram a boca e o corpo destes animais há mais de um milhão de anos.
O estudo, publicado na terça-feira na revista Cell, descreve o ADN microbiano mais antigo alguma vez sequenciado, e mostra que certas espécies de bactérias patogénicas, hoje associadas à morte de elefantes-africanos (Loxodonta africana), já tinham infetado os seus primos distantes.
As conclusões oferecem “uma boa oportunidade para obter uma visão global sobre que tipo de bactérias ou vírus poderíamos encontrar nesta espécie extinta”, explicou à Nature o paleomicrobiologista Benjamin Guinet, investigador do Centre for Palaeogenetics, em Estocolmo, primeiro autor do estudo.
Pesquisas futuras poderão ajudar a perceber de que forma os microrganismos contribuíram para a adaptação destes animais a ambientes variados e se desempenharam algum papel na sua extinção.
Micróbios patogénicos
Até agora, a investigação em restos antigos concentrou-se sobretudo no ADN humano e de microrganismos associados ao Homem, sendo raros os estudos sobre interações entre micróbios e hospedeiros em animais pré-históricos.
Para explorar a relação entre mamutes e microrganismos, a equipa analisou ADN microbiano antigo extraído de dentes, crânios e pele de 483 espécimes.
Os fósseis abrangem várias localizações geográficas — da América do Norte e Grã-Bretanha à Sibéria — e datam desde o início do Pleistocénico, há cerca de um milhão de anos, até à extinção dos últimos mamutes da Ilha de Wrangel (ao largo da Sibéria), já no Holocénico, há cerca de 4 mil anos.
Os investigadores identificaram 310 espécies microbianas associadas aos tecidos dos mamutes. Muitas pertenciam ao ambiente e terão colonizado os restos após a morte dos animais, pelo que a equipa filtrou esse ADN “post mortem”, concentrando-se nas bactérias que habitavam os mamutes em vida.
Com recurso a rastreio metagenómico, técnica de sequenciação que permite analisar material genético em amostras compostas por genomas de múltiplos organismos, os cientistas estudaram o ADN presente nos fósseis.
Em seguida, através de inferência filogenética, compararam essas sequências com as de bactérias modernas para identificar os géneros microbianos.
A análise revelou seis grupos de microrganismos associados ao hospedeiro, alguns dos quais terão provocado doenças nos mamutes.
Entre eles estava uma estirpe próxima de Actinobacillus, anteriormente isolada em fezes de porcos (Sus domesticus) e que poderá ter integrado o microbioma oral dos mamutes.
Foi ainda identificado o género Pasteurella, intimamente relacionado com um patogénio ligado à morte de dezenas de elefantes-africanos no Botsuana e no Zimbabué em 2020. Neste caso, a bactéria infetou a boca dos animais antes de entrar na corrente sanguínea e causar septicemia fatal.
A equipa reconstruiu ainda genomas de uma família bacteriana denominada Erysipelothrix, a partir de amostras de quatro mamutes-lanosos e de um mamute-das-estepes com 1,1 milhões de anos — o ADN microbiano associado a hospedeiro mais antigo de que há registo.
Ao contrário dos restantes grupos bacterianos, presentes apenas em células dentárias, este microrganismo foi detetado também em tecido ósseo.
Microbiomas antigos
Os efeitos concretos destas colónias bacterianas na saúde dos mamutes são difíceis de determinar apenas com base nesta análise genética. Ainda assim, os investigadores sublinham que o trabalho oferece uma primeira visão sobre os micróbios que habitaram animais pré-históricos.
Eva-Maria Geigl, paleogeneticista do Institut Jacques Monod, em Paris, questiona a relevância biológica da análise de amostras com mais de um milhão de anos, dada a falta de referências adequadas para comparação. Mas reconhece que a equipa “fez certamente um bom trabalho e produziu uma grande quantidade de dados”.
“O artigo mostra uma boa prova de conceito: mesmo algumas bactérias muito antigas podem ser recuperadas geneticamente”, acrescenta.
Estas descobertas fornecem uma base para futuras investigações sobre microbiomas antigos e o seu impacto na saúde e na doença, concluem os autores. “É muito interessante poder contar esta história. Queremos abrir o livro da vida e alargar os limites do que conseguimos saber”, resume Guinet.