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As populações estão a protestar cada vez mais. Mas porquê e pelo quê?

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Estudo desenvolvido por think tank alemão e uma ONG internacional passou em revista os principais protestos e movimentos sociais que ao longo dos últimos anos tentaram exercer a sua influência para implementar mudanças que entendem ser necessárias e urgentes.

Entre 2006 e 2020, o número de protestos e manifestações realizadas em todo o mundo mais do que triplicou. O aumento aconteceu de forma generalizada, ou seja, nas várias regiões do globo, sendo possível registar ainda neste período alguns dos maiores protestos jamais realizados. É o caso da manifestação dos agricultores indianos em 2020, das manifestações contra Jair Bolsonaro, no Brasil, ou do movimento Black Lives Matter, cujas ações têm vindo a acontecer de forma quase ininterrupta desde 2013.

Estas são algumas das conclusões de um estudo intitulado “World Protests: A Study of Key Protest Issues in the 21st Century e elaborado por um think tank alemão, o Friedrich-Ebert-Stiftung e a Iniciativa para as Políticas de Diálogo, uma organização sem fins lucrativos. Através de um olhar mais atento pelos números referentes aos dados de mais de 900 manifestações realizadas em 101 países e territórios, os investigadores concluíram que estamos a viver um período da história semelhante aos anos de 1848, 1917 ou 1968, “quando grandes e muitos grupos de pessoas se revoltaram contra a maneira como muitos aspetos da sociedade estavam, exigindo, por isso, mudanças”.

A questão que se impõe é: porquê? Por que motivo estão as pessoas, ainda nesta fase inicial do século XXI, a manifestar-se tanto como noutros períodos conturbados da história? Para responder a esta questão, os autores da investigação evocam um problema: o falhanço democrático.

A pesquisa descobriu que a maioria dos protestos (54%) realizados e analisados tiveram origem na perceção de que os sistemas políticos em que estes ocorriam estavam a falhar, assim como o modelo de representação. Ainda neste âmbito, 28% das manifestações tinham como objetivo exigir “democracias reais”, a exigência mais comum a todas as manifestações estudadas durante a investigação. Outros temas tratados incluíam as desigualdades, a corrupção ou a inação dos governos em relação às alterações climáticas – sendo que a resposta daqueles no poder ficaram aquém das exigências na maioria dos casos.

“Muitos dos líderes mundiais não estão a ouvir. A vasta maioria dos protestos em todo o mundo tinham como objetivo exigir reformas que já existiam noutros países. As pessoas protestam por bons trabalhos, um planeta limpo para as gerações futuras e por terem poder de escolha nos assuntos que afetam a sua qualidade de vida”, explicou Sara Burke, especialista em economia e política global e uma das autoras do estudo, ao The Washington Post.

Uma das variações detetadas pela investigação tem que ver com os diferentes significados das manifestações por parte dos que nelas participam. Por exemplo, e em última análise, a invasão ao Capitólio norte-americano pode considerar-se um protesto, assim como o movimento dos Coletes Amarelos, que se iniciou em França em 2018.

O método utilizado por Sara Burka e respetiva equipa baseou-se na procura, meio a meio, de artigos que permitissem identificar protestos e movimentos contestatários, em cerca de sete línguas diferentes. A recolha, por si só, requereu mais de mil horas de trabalho, seguindo-se a análise. Mesmo assim, a tendência ficou clara numa fase inicial da investigação: em 2006, apenas 73 protestos foram contabilizados, um número que subiu para 251 em 2020 – valor mais alto do que no ano de 2008, quando teve início a crise económica e financeira mundial, ou em 2011, aquando da Primavera Árabe.

A propósito das diferentes localizações, a investigação nota e a Europa e a Ásia Central são os territórios onde os números de protestos mais aumentaram. Simultaneamente, os países mais ricos também registaram mais protestos, em comparação com os de menos rendimentos.

Para além dos defeitos do regime democrático ou da representação política, o estudo concluiu que as desigualdades económicas e sociais são um tópico cada vez mais na origem das manifestações em todo o mundo – em cerca de 53% dos casos estudados esta constatação é real.

Verificou-se também um aumento significativo dos protestos relacionados com a justiça racial e étnica, como é o caso do movimento Black Lives Matter, só para referir o mais marcante. Mesmo assim, protestos mais pequenos também aconteceram, alguns dos quais centrados na negação e retirada de direitos a determinados grupos.

Sara Burke reconhece que alguns dos números apresentados são vagos, como os que se referem aos números de participantes nas manifestações, o que pode deixar algum espaço para interpretações. “Apenas podemos estudar o que podemos ver e o que podemos ver é profundamente influenciado por onde estamos e quem somos”, explicou a investigadora,

Questionada sobe alguns termos usados na investigação, nomeadamente o de “democracias reais”, Burke admitiu tratarem-se de noções subjetivas. “A democracia de uma pessoa e é a autocracia de outra”, apontou. Por exemplo, a investigadora admitiu que as manifestações de 6 de janeiro, nos Estados Unidos da América, se poderiam considerar uma demonstração inerente a uma “verdadeira democracia”, mas também protestos que tinham como objetivo negar direitos essenciais a determinados grupos.

A violência não é um elemento predominante às manifestações analisadas – apenas um quinto dos eventos registaram violência ou vandalismo –, mesmo assim, o estudo denotou um aumento ligeiro e lento desta componente entre 2006 e 2020. Em quase metade dos protestos, ainda assim, registaram-se detenções e em cerca de um quarto há registos de algum tipo de confrontação com a polícia.

Um dos argumentos mais reforçados na investigação é o de que, à medida que os protestos aumentam, os líderes políticos devem levá-los mais a sério. Cerca de 42% dos protestos documentados na investigação foram considerados um sucesso, apesar de esta conclusão variar significativamente consoante a região em que ocorreram o seu tipo.

De acordo com os investigadores, se a senda de protestos continuar, é provável que muitas conquistas sociais e políticas venham a ser conseguidas. “Os protestos em todo o mundo têm vindo a ganhar uma reputação dúbia nos últimos tempos, explicou Michael Broning, diretor da delegação de Nova Iorque do FES. “Precisamos de perceber que eles fazem parte do núcleo duro da democracia. O que precisamos é nada menos do que uma reabilitação global da definição de protesto.”

ZAP //

1 Comment

  1. Aqui em Portugal, a maioria da população só irá querer manifestar-se democraticamente quando de facto já fôr proibido fazê-lo. Pelo que se pode observar no dia-a-dia, a maioria dessa maioria ou anda completamente atolada de trabalho só para poder sustentar a família a troco de um baixo salário e sem tempo para se organizar e fazer manifestações, ou nem quer fazer ondas com medo de perder o pouco que tem e que tanto trabalhou para ter. E uma minoria dessa maioria, como estão a safar-se muito bem assim como as coisas andam, não vão fazer por mudar nada e, quando perceberem que afinal vão perder muito como os outros, vão querer manifestar-se, mas aí será tarde demais.

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