O inesperadamente grande número de polvos no sudoeste da Inglaterra tem deixado os pescadores confusos, contentes e chateados. O aumento verifica-se numa altura em que as temperaturas do mar registaram uma subida entre 2 e 4ºC.
Esta primavera, a partir de março, observou-se um aumento inesperado de polvos nas águas da Cornualha e Devon. A hipótese mais aceite é que o sucedido ocorreu graças a uma onde de calor nas águas inglesas.
Para os pescadores do mercado de Brixham, onde são comercializadas dezenas de toneladas de polvo todos os dias, as capturas têm sido uma bênção. A febre do polvo tomou conta da cidade, conta o The Guardian.
Barry Young, diretor-geral da maior empresa pesqueira local, disse que até esta semana já tinham passado pelo mercado 36 toneladas de polvo; o ano passado, na mesma altura, o número rondava apenas 200 kg. “É um bónus financeiro para os pescadores”.
“As grandes embarcações pescam determinadas espécies, nós pescamos os ‘peixes do fundo’ — as espécies demersais, linguado, rodovalho, pregado. E, felizmente para nós, o polvo parece ser também um ‘peixe do fundo’.”
Ian Perkes, proprietário de uma loja de peixe no porto de Brixham há 49 anos, conta que era a primeira vez na vida que via estes cefalópodes: “Nunca os tínhamos visto, por esta altura no ano passado, estavam no lado francês da água e os franceses estavam a encher-se deles”.
Perkes afirma que os polvos normalmente são um “enorme negócio” para Marrocos e Mauritânia, mas que têm vindo para norte, já que a água ao largo da costa de Inglaterra tem vindo a aquecer.
O aumento do número de polvos tem sido incrível para a pesca inglesa, não há quotas e o mercado é imenso, principalmente em Espanha, onde o polvo custa 9.5 euros por kg, “são uma injeção de ânimo para os pescadores, um enorme bónus, porque não há quotas. Estão a ganhar muito bem”, disse Perkes.
Polvo no lugar de crustáceo
Mas nem todos estão satisfeitos com a invasão de polvos nas costas britânicas. Os pescadores especializados no mercado de caranguejo e lagosta ficaram bastantes chateados, quando descobriram que os polvos entravam nas nassas e comiam o marisco que se encontrava no seu interior.
“Os polvos estão a ser apanhados nas nassas de todo o tipo de pesca — chocos e caranguejos, em arrastões e em navios de pesca. O fundo do mar está cheio deles.” explica Perkes.
O polvo, que tem nove cérebros e três corações, usa o seu bico para partir as carapaças dos caranguejos ou lagostas. Depois, injeta-lhes enzimas que ajudam a dissolver a carne antes de a sugar.
“Alguns pescadores notaram que, nas áreas onde os polvos são prolíficos, se registou uma queda dramática no caranguejo e na lagosta”, disse Young.
A D&S IFCA, autoridade local de regulação e conservação das pescas tem em vigor uma lei que exige a instalação de “gaiolas de fuga” em todos os barcos pesqueiros — uma medida para proteger os caranguejos e lagostas bebés.
Os pescadores acreditam que é através destas gaiolas que os polvos entram e saem — depois de comer as criaturas que se encontram no seu interior.
A D&S IFCA está a tentar encontrar uma solução a longo prazo. Para já, o que há a fazer é fechar estas gaiolas sempre que os pescadores entrarem numa zona invadida por polvos.

Nassas para polvo e marisco no Alvor, Algarve
Aumento devido à crise climática
Os biólogos marinhos afirmaram que o aumento das temperaturas marinhas verificado nesta primavera não tem precedentes — começou no início de março e continua até ao final de maio.
À medida que a as alterações climáticas continuam a fazer aumentar as temperaturas globais, a frequência das ondas de calor marinhas está a aumentar, e o Reino Unido está sujeito a picos de temperatura do mar com maior frequência.
De acordo com Marta Marcos, do Instituto Mediterrânico de Estudos Avançados em Maiorca, Espanha, que liderou um estudo sobre as ondas de calor marinhas, metade do aquecimento do mar desde 2000 não teria ocorrido sem o aquecimento global.
Segundo Carli Cocciardi, responsável pela recuperação da natureza marinha no Devon Wildlife Trust, registou-se um aumento do número de polvos nas águas inglesas em 1900, 1950 e mais recentemente em 2022.
“Vamos ter de nos manter atentos, a principal razão parece ser o aquecimento das águas, ou seja, as alterações climáticas, o aumento da temperatura do mar”, afirma Carli.
“Este é um fenómeno novo, não se sabe ao certo o que vai acontecer em termos de gestão, mas as autoridades certificar-se-ão de que é algo sustentável caso venha a tornar-se uma caraterística permanente das águas inglesas”, conclui Carli Cocciardi.