Um polémico “chip da beleza” está na moda no Brasil (e pode causar enfartes e AVC)

Foi a pensar em perder alguns quilinhos e aumentar a massa muscular que a esteticista Larissa (nome fictício), de 25 anos, aceitou a sugestão de uma amiga farmacêutica e implantou o chamado chip da beleza, em julho de 2023.

O resultado, segundo a esteticista, não demorou a aparecer: 5 quilos a menos na balança logo nos dois meses seguintes.

No entanto, também teve diversos efeitos secundários. “Tive muitas espinhas no rosto e nas costas, coisa que nem quando eu era adolescente aconteceu. O meu cabelo também começou a cair muito, quando eu tomava banho ficava desesperada porque caíam tufos”, diz.

Para tratar desses problemas causados pelo implante, a esteticista procurou ajuda médica e precisou de fazer um tratamento para a pele e cabelo durante três meses.

“Tive que prourar ajuda de um dermatologista, precisei de usar cremes para o rosto e costas, tomar vitaminas para reduzir a queda de cabelo e também fazer um tratamento em consultório com laser”, acrescenta.

Chip da beleza ou implante hormonal

O chamado “chip da beleza”, como o utilizado pela esteticista, é um implante hormonal subcutâneo — colocado debaixo da pele, principalmente nos glúteos e abdómen — que tem sido usado para perda de peso, combate ao envelhecimento, diminuição da gordura corporal, aumento da libido e da massa muscular.

Estes implantes são feitos em farmácias de manipulação e implantados em clínicas médicas com o uso de anestesia local. A implantação é feita em poucos minutos.

Existem dois tipos destes dispositivos: os chamados absorvíveis, ou seja, o implante vai sendo absorvido debaixo da pele até não restar nada, e o não absorvível, feitos de silicone e que se assemelham a um pequeno tubo de plástico, colocado sob a pele e que posteriormente precisa de ser retirado.

Segundo os especialistas ouvidos pela reportagem da BBC, podem conter inúmeras substâncias que vão desde hormonas como a testosterona ou gestrinona, anabolizantes e compostos para inibir o apetite, acelerar o metabolismo e até mesmo para a retenção de líquidos.

É justamente essa mistura de inúmeros componentes que tem gerado apreensão entre os médicos.

“Muitos desses implantes ainda possuem na sua composição medicações para combater os possíveis efeitos colaterais causados por estas substâncias no organismo”, diz Fernando Nestor Facio Junior, chefe do Departamento de Andrologia da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU).

O maior problema, segundo os especialistas, é que estes chips da beleza ou implantes hormonais são manipulados, feitos em farmácias, não tendo uma bula e informações adequadas sobre os seus compostos, eficácia ou segurança.

Além disso, não são aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) do Brasil para uso comercial e para fins estéticos.

“Não há controlo sobre o que é colocado nesses implantes, não existem estudos, pesquisas cientificas e testes sobre os efeitos deles no corpo humano, assim como os seus efeitos adversos”, acrescenta Maria Celeste Osório Wender presidente da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo).

Os médicos alertam ainda que não existe uma dose segura para o uso de hormonas para fins estéticos e ressaltam que os efeitos secundários causados por estes dispositivos podem ser graves e em muitos casos irreversíveis.

Esses efeitos colaterais vão desde os mais leves, como irritação da pele, queda de cabelo, aparecimento de espinhas e engrossamento da voz em mulheres até os mais graves como enfarte agudo do miocárdio, tromboembolismo e acidente vascular cerebral (AVC), complicações hepáticas, renais, musculares e infecções.

“Este dispositivo pode ser feito de qualquer coisa, pode ser misturado qualquer tipo de hormona, pode ser colocado a qualquer dose. Ninguém sabe exatamente se aquilo que está a ser vendido é o que está a ser colocado de facto”, ressalta Alexandre Hohl, vice-presidente do Departamento de Endocrinologia Feminina, Andrologia e Transgeneridade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Para Hohl, o uso indiscriminado destes dispositivos é um problema de saúde pública grave e os farmacêuticos e médicos deveriam ser responsabilizados pelos efeitos colaterais causados aos pacientes.

“Na busca de estética, de desempenho, de melhora de massa muscular, uma questão quase criminosa está a acontecer nesses chamados implantes hormonais manipulados em território nacional”, acrescenta.

Outro ponto destacado pelos especialistas é questão da absorção — que segundo os médicos que colocam o implante, pode demorar de 6 meses a 3 anos para serem totalmente absorvidos pelo corpo.

“Todos os medicamentos passam por um estudo e sabemos o tempo exato que ele age no organismo. Por exemplo, os antibióticos que tem duração de 12 horas. Agora como um implante pode agir de 6 meses a até 3 anos? Não tem como explicar isso”, acrescenta Facio Junior.

Carta aberta à Anvisa

A venda indiscriminada e, segundo os especialistas sem fiscalização, deste tipo de produto no Brasil fez com que sete entidades médicas enviassem uma carta aberta à Anvisa, no mês passado, demonstrando preocupação com a crescente utilização indevida desses implantes.

Segundo as entidades, estes implantes são comercializados exaltando um corpo perfeito e muitas vezes até mesmo dizendo que ajudam a ter uma vida mais saudável, porém não têm nenhum respaldo ético e científico.

O texto é assinado pela Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso), Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte (Sbmee), Sociedade Brasileira de Diabete (SBD), Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG).

“Esses produtos não têm indicação médica. Não se pode, na busca de um corpo perfeito, deixar as pessoas colocarem a saúde e a vida em risco. Então, o que se espera é que se proíba a venda e uso destes implantes chamados chip da beleza. Esses compostos não são comercializados para tratamento de doenças. Tudo isso é para a utilização estética”, acrescenta Hohl.

No texto, as sociedades médicas pedem que a Anvisa tome providências com relação à prescrição, comercialização e uso desses implantes hormonais.

A reportagem da BBC entrou em contato com a Anvisa, que informou que adota medidas para mitigar os riscos relativos ao uso de medicamentos e especial situações de abuso que possam representar um risco para a saúde.

Entre as ações adotadas pela Agência estão a monitorização e inspeção em farmácias de manipulação e a monitorização de anúncios na internet através de uma ferramenta de inteligência artificial (EPINET) a fim de identificar e coibir a comercialização de produtos irregulares.

Com relação ao uso da substância gestrinona nesses dispositivos, o órgão esclareceu que “os especialistas desta Agência avaliaram que inexistem evidências técnicas e científicas que dariam suporte ao uso da gestrinona implantável para fins de emagrecimento, ganho de massa muscular, reposição hormonal, tratamento de sintomas de tensão pré-menstrual, regulação de períodos menstruais, aumento da libido e estéticos.

Até ao momento, o uso de gestrinona em cápsulas gelatinosas duras para tratamento de endometriose (como originalmente foi aprovada pela Anvisa) é o único caso de uso cuja eficácia, segurança e qualidade foram avaliadas e aprovadas, portanto não há restrições de manipulação de gestrinona na forma farmacêutica citada para tratamento de endometriose”, explicou em nota.

Em relação a pedidos específicos contidos na carta citada escrita pelas entidades médicas, a Anvisa explicou que documento ainda está em avaliação técnica e em breve deverá ser respondido às entidades.

ZAP // BBC

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