Pode ser difícil, mas não é impossível provar o genocídio na Ucrânia

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Teatro de Mariupol bombardeado

Deverão as atrocidades na Ucrânia ser chamadas crimes de guerra, limpeza étnica ou genocídio? Os termos, por vezes, podem ser difíceis de distinguir.

Os peritos dizem que distinguir os rótulos é crucial, quando se investiga os responsáveis e se procura justiça nos tribunais internacionais.

“Estamos definitivamente a ver provas de crimes contra a humanidade e crimes de guerra”, afirma Leila Sadat, perita em crimes de guerra e direito internacional na Universidade de Washington em St. Louis, segundo a NPR.

“O genocídio requer esta intenção especial, por isso temos de mostrar que estão a cometer todos estes crimes terríveis a fim de destruir, em parte ou no todo, um grupo em particular”, sublinha Sadat.

O genocídio pode assim ser extremamente difícil de provar perante o Tribunal Penal Internacional e o Tribunal Internacional de Justiça, explica a especialista.

Os procuradores têm de entrar na mente dos criminosos e mostrar que existe uma intenção específica. Alegações de crimes de guerra anteriores na Síria, na região de Darfur no Sudão e na ex-Jugoslávia mostram como pode ser difícil rotular corretamente os crimes, ao procurar justiça.

A comunidade internacional, segundo Sadat, acredita que, por vezes, a limpeza étnica pode ser uma forma de genocídio.

“E vimos isso nas primeiras decisões do Tribunal Penal Internacional, na situação que envolvia Darfur, onde o procurador acusou genocídio porque havia de facto um padrão de limpeza étnica, destruindo aldeias, expulsando pessoas das suas casas, aterrorizando uma população civil. Um padrão muito semelhante ao que vimos na ex-Jugoslávia. Ao que vimos em Darfur. E ao que estamos agora a ver na Ucrânia”, nota.

“Felizmente, a Ucrânia declarou que o estatuto do Tribunal Penal Internacional (TPI) era aplicável ao seu território em 2014 e 2015. Assim, ao contrário do Assad na Síria, que nunca, nunca aceitaria a jurisdição do TPI, o presidente e o parlamento ucraniano fizeram-no. E por isso o TPI tem aqui jurisdição”, acrescenta.

De acordo com a especialista, “os crimes contra a humanidade são tão graves como o genocídio” e, nesse aspeto, “não há hierarquia“.

Um exemplo de crimes contra a humanidade é “aquilo de que os nazis foram acusados pelo Holocausto”, explica.

“E por isso sei que a comunidade internacional e os grupos de vítimas tendem a agarrar-se a este conceito de genocídio porque temos um tratado sobre o mesmo e ainda não temos o tratado sobre crimes contra a humanidade”, continua.

“Por isso, parece que são menos importantes. Não são menos importantes. São crimes absolutamente horríveis que envolvem ataques a uma população civil e a desumanização do espírito humano e dos seres humanos. Portanto, é realmente importante notar que esta ideia de limpeza étnica e crimes contra a humanidade é um crime muito, muito grave”, sublinha Sadat.

Sadet foi questionada sobre se é hipócrita que os EUA prometam ajudar a investigar possíveis crimes de guerra russos, quando não são membros do TPI, e não parecem querer ser responsabilizados pelos seus próprios alegados crimes de guerra.

“É hipócrita, e no entanto é uma coisa realmente boa”, responde a especialista. “A administração Biden está a considerar seriamente o desmantelamento de alguns dos obstáculos à cooperação com o Tribunal Penal Internacional, porque pode ver que este é exatamente o tipo de situação que o TPI foi criado para resolver“, explica.

“Já temos um procurador com jurisdição. Temos juízes todos prontos para aprovar mandados de captura e ouvir casos de confirmação. Não temos de recrutar pessoal e contratar novas pessoas e descobrir que lei deve ser aplicada”, relata Sadet.

“Temos um tribunal pronto e disposto a fazer o trabalho, e aqueles de nós que estiveram envolvidos com o Tribunal Penal Internacional durante 20 anos têm vindo a apresentar este argumento há 20 anos”, acrescenta.

“Então, os Estados Unidos estão a chegar um dia atrasados à festa? Sem dúvida que sim, e penso que é ótimo que estejam finalmente a chegar lá“, conclui Sadet.

ZAP //

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