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Papa Francisco no Canadá
O direito à propriedade privada: absoluta, intocável, direito natural para o Homem? Francisco actualizou a doutrina de Leão XIII.
Carta Encíclica Rerum Novarum do Papa Leão XIII, sobre a condição dos operários; 15 de Maio de 1891. “A propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural”.
Carta Encíclica Laudato si’ do Papa Francisco, sobre o cuidado da casa comum; 24 de Maio de 2015. “A tradição cristã nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada”.
Então a propriedade privada é um direito natural para o homem, ou nunca foi reconhecida pela tradição cristã?
Estava criada uma aparente contradição entre dois Papas, em Cartas Encíclicas com mais de 100 anos de diferença entre ambas.
É um assunto que recuperamos agora, já que parecia haver um confronto entre o Papa Francisco e o Papa Leão XIII – quando agora o sucessor de Francisco é Leão XIV.
Mas, como sempre, convém ler tudo. E, ao ler as duas encíclicas por completo, verifica-se que não há confronto nenhum, como destacou o arcebispo Julio Endi Akamine, na Arquidiocese de Sorocaba.
Leão XIII era contra os “socialistas” que defendiam o fim da propriedade privada. Eram pessoas que “pretendem que toda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer devem ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os Municípios ou para o Estado”. E o ‘Papa dos Trabalhadores’ avisava que os operários é que seriam prejudicados, poderiam ficar na miséria.
O Papa Leão XIII defendia que a propriedade privada torna o indivíduo livre e independente; o direito à propriedade era um importante fundamento para a liberdade dos cidadãos. Era a base de uma economia democrática: cada um participa nos rendimentos do circuito económico sobre a base da propriedade privada.
Para Leão XIII, a propriedade privada deve servir ao bem comum.
Agora, o Papa Francisco. É certo que escreveu que a tradição cristã “nunca reconheceu como absoluto ou intocável o direito à propriedade privada”, mas também escreveu o que estava logo a seguir: a tradição cristã “salientou a função social de qualquer forma de propriedade privada. O princípio do uso comum dos bens criados para todos é o primeiro princípio de toda a ordem ético-social (Laborem exercens, 19), é um direito natural, primordial e prioritário”.
“Todos os outros direitos sobre os bens necessários para a realização integral das pessoas, quaisquer que sejam eles, incluindo o da propriedade privada, não devem impedir, mas, pelo contrário, facilitar a sua realização”.
Francisco, afinal, acreditava também que o direito à propriedade era natural; e seguia as palavras de Leão XIII: na utilização dos bens privados, o proprietário deve fazer os outros participar nesses bens, nas suas necessidades.
Para Francisco, quem tem bens particulares, deve colocá-los ao serviço do bem comum.
Ou seja: o Papa Francisco actualizou a doutrina do Papa Leão XIII.
A Doutrina Social da Igreja defende o direito à propriedade individual e o destino universal dos bens.