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O clímax prematuro de um Verão lascivo levou a um Outono flácido. A pandemia travou a libido e mudou as relações

Antecipava-se um Verão selvagem e com muito sexo casual, mas a realidade é que a solidão da pandemia no fez procurar relações mais duradouras e próximas.

A pandemia provocou muitas mudanças no nosso quotidiano, uns mais óbvios, como o uso de máscara, o distanciamento social e o teletrabalho, e outros menos evidentes, como na nossa saúde mental.

Mas há um outro aspecto que também sofreu com a pandemia — a sexualidade. Esperava-se um Verão louco e promíscuo, com um aumento nas relações casuais depois de meses e meses de confinamentos e restricções que estavam finalmente a ser aliviadas com a vacinação.

Como vários utilizadores do Twitter tão eloquentemente descreveram, “para se chegar ao clímax, é preciso levar a vax” e multiplicavam-se as notícias em que os autores se ligavam à sua Megan Thee Stallion interior para declarar que 2021 seria um “Hot Vax Summer”.

Os utilizadores das aplicações de namoro como o Tinder ou o Bumble adoptaram um outro tipo de certificado de vacinação interno, que assinalava quem estava vaXXXed. Os dados do Tinder mostravam que as referências ao “Hot Vax Summer” aumentaram 155% entre Março e Junho e as menções a estar “Vaxxed and Waxed” — vacinado e depilado — duplicaram.

“Acho que as pessoas vão compensar o tempo perdido, digamos assim, e espero totalmente um período de expressão sexual livre“, adiantou Ina Park, professora da Universidade da Califórnia, ao Buzzfeed, em Abril.

A antecipação de um aumento do sexo casual também levou a maiores preocupações com as consequências menos sexy, como o crescimento da transmissão de doenças — mas havia também a esperança de que o aumento de cuidados trazidos pela pandemia se estendesse também à cultura em torno da saúde sexual.

Usar uma máscara é como usar um preservativo na cara. Muitas pessoas aceitaram, do género “eu tenho de usar isto, é um pouco desconfortável e reduz o meu prazer em estar fora porque a metade de baixo da minha cara está a sua, mas se diminuir o meu prazer um pouco, posso fazer uma coisa que quero fazer em segurança””, explica Marybec Griffin, professora numa escola de saúde pública.

Já Anu Hazra, professor na Universidade de Chicago e director do centro da cidade para a eliminação do VIH, lembrou que a pandemia fez com que os casais passassem a ter mais conversas sobre como reduzir riscos e que essa aprendizagem podia ser estendida às relações sexuais, especialmente quando muitas doenças como a gonorreia ou a clamídia, são transmitidas de forma assintomática, tal como a covid-19.

Os riscos também “não são pretos e brancos” havendo antes, não cinquenta, mas sim “milhões de tons de cinzento”, pelo que a maior compreensão sobre a transmissão assintomática da covid poderia levar a que mais pessoas também fizesse mais testes a DSTs.

No entanto, havia também preocupações de que o alívio da pandemia levasse a uns novos Loucos Anos 20, tal como há um século atrás. Depois da Grande Guerra e um pandemia de gripe espanhola em 1918, os anos 20 do século XX ficaram marcados por um estilo de vida hedonista com festas constantes, relações sexuais promiscuas e abusos no consumo de álcool e drogas.

Muitas empresas certamente estavam prontas para um Verão doido, com marcas e mais marcas a arrancarem uma página do livro das estratégias de marketing da Control e a aproveitarem a excitação geral para fazerem aumentar o desejo pelos seus produtos.

A marca holandesa Suitsupply deu início aos preliminares em Março, com um anúncio que prometia que “o novo normal estava a vir” no meio de imagens de corpos nus brilhantes. Já a italiana Diesel criou campanhas publicitárias onde mostrava casais aos beijos.

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Segundo os dados da empresa de inteligência artificial Pattern89, os anúncios que mostravam pessoas aos beijos viram um aumento de 165% nas taxas de cliques até Março de 2021. Mas os anúncios não eram a única coisa a antecipar um Verão cheio de libertinagem, já que as vendas de preservativos aumentaram 23% em Abril nos Estados Unidos em relação ao mesmo mês de 2020.

Tal como nos Loucos Anos 20, há psicólogos que acham que o aumento do sexo casual se poderia explicar pelo nosso trauma colectivo. “Quando somos confrontados com a nossa mortalidade, tendemos a ser mais arriscados, queremos aproveitar a vida ao máximo”, explica Ashley Thompson, psicóloga especializada na sexualidade humana, à BBC.

A especialista acrescenta que estes comportamentos se enquadram na “teoria de gestão de terror”, que define que a ansiedade causada pela morte controla os humanos.

O Hot Vax Summer que, afinal, não o foi

Mas esse clímax de antecipação pode ter sido prematuro, digamos. Thompson considerou logo que a ideia de um Verão selvagem era exagerada. “Não há dúvida que há pessoas que provavelmente hesitam em saltar para a cama”, explica, falando da “ansiedade de reentrada” em todos os aspectos da vida que a covid trouxe, até em simples interacções pessoais que não sejam íntimas.

Já Justin Garcia, do Instituto Kinsey da Universidade do Indiana, que é também a maior organização que faz investigações sobre sexo a nível mundial, também se mostrou céptico. “Vamos ver um retorno ao patamar de base da vida pré-pandemia, não vai ser este Verão devasso“, antecipou.

Em Abril, um inquérito do Kinsey concluiu que mais de metade dos 2000 norte-americanos da amostra não procurava casos de uma noite e que 64% estavam menos interessados em ter mais que um parceiro sexual na mesma altura, comparativamente aos dados pré-covid. Mais de um terço também respondeu que o sexo no primeiro encontro estava fora de questão e 52% dos solteiros estava à procura de uma relação séria.

Kimberly Resnick Anderson é uma terapeuta sexual de Los Angeles e explica que, inicialmente, muitos dos seus pacientes estavam a antecipar um Verão de libertinagem, mas que a meio da estação se aperceberam que a realidade era muito diferente.

“Os meus pacientes não estão tão excitados ou sexualmente responsivos como achavam que estariam. A covid afectou muito o estado de espírito e a auto-estima das pessoas“, revelou em Julho à VICE.

Estas conclusões podem até não ser tão surpreendentes. Afinal, as relações — tal como todos os aspectos das nossas vidas — mudaram profundamente com a pandemia. Os primeiros encontros mais atrevidos e com bebidas à mistura foram trocados por jantares através do Zoom ou caminhadas com distanciamento social.

Os beijos perderam a espontaneidade e passaram a ser precedidos por discussões pouco românticas sobre contactos de risco, testes e vacinas e passamos a esfregar constantemente as mãos em álcool em gel em vez de as entrelaçar com os nossos parceiros.

“Tem mais a ver com “sinto-me sozinho, quero um parceiro“. Há esta mudança na cultura do sexo casual”, refere a também terapeuta Emily James.

“O animal humano deseja uma ligação emocional”

Uma tendência generalizada trazida pela pandemia é a maior preferência por relações em detrimento do sexo casual. A aplicação Hinge pode não ser o melhor exemplo para mostrar esta mudança visto que já é conhecida por ter utilizadores que procuram namoros estáveis, mas concluiu que três quartos dos seus utilizadores estavam à procura de uma relação em Maio, sendo que apenas 14% queriam algo sem compromisso.

A verdadeira prova vem do Tinder, que tem a fama de ser a aplicação dos mais jovens que procuram sexo sem promessas de um futuro a dois — mas que não está a ter o proveito.

Com a adição das videochamadas durante a pandemia, a app verificou que as conversas ficaram 32% mais compridas e que quase metade dos utilizadores falaram desta forma antes de se encontrarem pessoalmente.

“Há uma tendência crescente, na verdade, dos jovens procurarem relações com compromisso”, afirma Sophie Sieck, assessora de comunicação do Tinder, onde mais de metade os utilizadores têm entre 18 e 25 anos. “A cultura casual não faz muito parte da maneira como a Geração Z namora“.

Esta mudança, que já foi descrita como “uma redefinição do namoro histórica”, também é comprovada por um recente estudo do Match, que todos os anos analisa a vida amorosa dos norte-americanos solteiros.

Dos 5000 inquiridos, 83% considera mais importante a maturidade emocional do parceiro do que a sua aparência. Já 78% preferem a atracção física, mas este número representa uma quebra relativamente aos 90% que tinham a mesma prioridade em 2020.

84% querem também alguém que os faça rir, em quem possam confiar e a quem possam comunicar as suas necessidades — algo que é mais difícil de encontrar nas relações casuais. Apenas 11% dos solteiros queria uma relação casual, sendo que 62% procuram um compromisso e 65% querem-no num prazo de um ano. Também 51% dizem-se mais empenhados na criação de perfis interessantes nas aplicações de namoro.

E aqui está uma conclusão menos óbvia: 42% dos homens estão prontos para uma relação séria enquanto que apenas 29% das mulheres dizem o mesmo. Apesar da pressão do relógio biológico ser geralmente mais cobrada às mulheres, 24% dos homens dizem sentir pressão social para se comprometeram contra 17% das solteiras.

Os homens têm também a fama de valorizar mais o sexo do que as mulheres, mas 81% — sim, 81%, — considera agora a intimidade física menos importante do que antes da pandemia. Helen Fisher, investigadora do Match, acredita que “não podemos fechar um planeta e esperar que a fisiologia das pessoas fique igual”. “Todos sofremos, a dopamina caiu a pique, o sexo é menos importante”, explica ao New York Post.

“Quanto mais sexo se tem, mais se quer. Quanto menos se tem, menos se quer. Estes solteiros estavam a ter menos sexo e sob stress extremo, os dois factores juntos diminuíram a importância do sexo nas suas vidas. Estamos a ver uma situação global e que pode acabar por nos dar décadas de relativa estabilidade familiar e casamentos felizes”, acrescenta.

Um outro estudo da Trinity College Dublin, focado nas mulheres, também já tinha concluído que 54% notaram uma redução na libido com a pandemia. A investigação do Match concluiu que 47% dos solteiros de ambos os sexos fingiram orgasmos.

Parece mesmo que a solidão trazida pela pandemia nos tornou mais carentes uns dos outros e apreciadores de relações com significado. “O humano animal deseja uma ligação emocional e acho que isso não significa necessariamente só sexo”, conclui Garcia.

Adriana Peixoto, ZAP //

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