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Porque há uns países ricos e outros pobres? O “novo Sapiens” responde

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(h) Peter Goldberg

O economista israelita Oded Galor, autor do livro “A Jornada da Humanidade”.

Oded Galor, apontado ao Prémio Nobel da Economia, tem uma teoria para explicar porque é que há uns países que são ricos e outros que são pobres.

O economista israelita Oded Galor propôs-se a uma missão que pode muito bem ser classificada de ambiciosa: explicar como é que o Homo sapiens foi capaz de gerar tamanha riqueza e desenvolvimento tecnológico ao longo da história e responder porque é que essa riqueza foi distribuída de forma tão desigual no mundo.

Galor é professor da Universidade Brown, nos Estados Unidos, e autor do livro “A Jornada da Humanidade”.

Por ter desenvolvido durante três décadas a Teoria Unificada do Crescimento, Galor foi apresentado pelo jornal alemão Frankfurter Allgemeine como um forte candidato ao Prémio Nobel da Economia.

“A teoria é uma tentativa de desvendar as forças fundamentais que determinaram a evolução das sociedades humanas a partir do aparecimento do Homo sapiens”, diz o economista, em entrevista à BBC Brasil.

A Teoria Unificada do Crescimento, de forma bastante resumida, pode ser descrita da seguinte forma:

  • O cérebro do Homo sapiens deu vantagem sobre outras espécies e proporcionou a introdução de inovações;
  • Inovações possibilitam mais recursos para um grupo humano. Com mais recursos, mais crianças nascem, mais crianças conseguem sobreviver, e a população aumenta;
  • Consequentemente, com uma população maior, em determinado momento os recursos para sustentá-la tornam-se insuficientes e há um retorno às condições anteriores de pobreza. Esse ciclo repete-se por centenas de milhares de anos;
  • Mas a revolução industrial no século XIX criou a necessidade de desenvolvimento educacional. Assim, as famílias optam por menos filhos para investir em formação escolar, e as taxas de fertilidade caem;
  • Para Galor, o progresso tecnológico desde então converteu-se em mais prosperidade e não numa população maior;
  • No entanto, as desigualdades de riqueza entre nações persistem por fatores como geografia, instituições locais, cultura, diversidade populacional e impactos da revolução agrícola.

A sua abordagem “macrohistórica” levou a muitas comparações com outro autor israelita, Yuval Noah Harari. O jornal francês L’Express escreve: “[A Jornada da Humanidade é] um novo Sapiens!”.

O economista concorda que o âmbito da sua obra tem semelhanças com o famoso best-seller, mas faz questão de se distanciar da metodologia e das conclusões oferecidas por Harari: “O meu livro é baseado em estudos científicos e o de Harari é baseado em especulações, intuições, elementos não necessariamente corretos tecnicamente ou que pelo menos a comunidade científica está em desacordo”.

“E a segunda parte do meu livro, que é basicamente discutir as raízes da desigualdade, não está presente em Sapiens. O meu livro baseia-se em 30 anos de extensa pesquisa sobre o tema, 30 anos em que teorias foram desenvolvidas e cada elemento dela foi testado empiricamente”.

A agricultura faz surgir a elite do conhecimento

O Homo sapiens surgiu há cerca de 300 mil anos em África. O seu cérebro deu-lhe vantagem sobre outras espécies, mas a evolução foi bastante lenta até a humanidade alcançar o estágio de domínio sobre a natureza.

Apenas há 12 mil anos, ou seja, só nos últimos 4% dessa trajetória aconteceria a revolução que fez com que o Homo sapiens se tornasse o centro do mundo.

A revolução agrícola ou neolítica, além de tirar o ser humano do estágio de caça e recolha, levou a um ciclo de inovações que representou imenso avanço tecnológico. Uma mudança crucial de consequências nem sempre positivas.

Galor explica que “durante esse processo, o ser humano primeiro domestica plantas e animais, e isso permite a transição para a agricultura”.

“Nesse período, sociedades começam a organizar-se em torno da produção agrícola e, sob certas circunstâncias, também é aberto um espaço para um grupo de indivíduos dedicar o seu tempo ao desenvolvimento da ciência, do conhecimento e das línguas”.

A escrita, por exemplo, surgiu para contabilizar grãos e registar a distribuição de porções de alimentos.

“Isso marca o aparecimento de uma elite do conhecimento, permitindo que as sociedades tivessem uma vantagem tecnológica que abrigasse populações maiores e o surgimento de cidades e Estados”.

A influência da geografia sobre o desenvolvimento

Como um dos elementos centrais da sua tese, o economista defende que as vantagens geográficas — que deram condições mais favoráveis para desenvolver a agricultura — foram determinantes para as diferenças de riqueza entre os países até hoje.

“Não é acidente que a revolução neolítica tenha ocorrido em diferentes épocas nas regiões do globo, com diferença de milénios”, diz.

A biodiversidade de cada localidade determinava o aparecimento de um grande número de plantas e animais domesticáveis que criavam as circunstâncias para a agricultura. E a Eurásia saiu na frente.

“Ela tinha uma vantagem sobre outros continentes por duas questões. Uma era a biodiversidade propícia, mas a outra foi a questão da orientação leste-oeste do continente”.

Sem barreiras significativas, práticas agrícolas eram copiadas ao longo de latitudes semelhantes, afirma Galor.

Mas, de acordo com Galor, a vantagem de lugares como o Crescente Fértil (uma faixa que vai do Egito, passa pelo Médio Oriente e chega ao Iraque), a primeira região a adotar a agricultura, foi perdida a partir do século XVI, quando o setor agrícola entrou em declínio gradual e começou a abrir espaço para o setor urbano.

Houve também nesse período o início da era das grandes navegações, dominada pelos europeus.

A Peste Negra e a formação de instituições

Outro ponto da tese de Galor para explicar a disparidade de riquezas está na formação de instituições voltadas para garantir a segurança de trocas comerciais — o que levaria a um maior desenvolvimento económico de uma sociedade.

O progresso proporcionado pela agricultura tornou alguns grupos mais numerosos e complexos. A implementação de moedas únicas, a proteção a direitos de propriedade e um conjunto de leis aplicadas de maneira uniforme organizaram essas sociedades com um ambiente favorável para negócios.

Galor lembra que eventos inesperados também podem influenciar esse processo. E usa um acontecimento histórico de grande magnitude para ilustrar como a formação das instituições inglesas levou o país a liderar a Revolução Industrial.

A Peste Negra chega à Europa em 1347. Num período muito curto, aniquila 40% da população europeia daquele tempo. Há uma redução dramática na força de trabalho, particularmente em Inglaterra, que já tinha no período um setor urbano relativamente desenvolvido.

“Para manter a força de trabalho, a aristocracia teve que fazer concessões para que ficasse mais atrativo permanecer no campo. Como resultado, vemos o declínio do sistema feudal da época. Vemos a emancipação de grande parte do trabalho e gradualmente o desenvolvimento dos direitos de propriedade fora da aristocracia. Isto pode ter levado a uma industrialização precoce em Inglaterra antes de outros lugares”, afirma.

Galor defende que o predomínio dessas instituições em Inglaterra protegeu comerciantes e empresários, e não proprietários de terra que evitariam o progresso tecnológico e tentariam perpetuar-se no poder.

A Revolução Industrial muda o curso de 300 mil anos

A Teoria Unificada do Crescimento aponta que a rutura de um ciclo de 300 mil anos de estagnação na história da humanidade ocorreu com a chegada da Revolução Industrial em Inglaterra, há cerca de 200 anos.

“Quando olha para as evidências, está bastante aparente que, em mais de 99,9% da jornada da existência humana, as sociedades viveram no que definimos como estagnação malthusiana”, afirma Galor.

O economista refere-se à tese do economista Thomas Malthus — muitas vezes associada a programas de controlo populacional e alvo de fortes críticas.

“A razão pela qual eu apresento Malthus de forma neutra é que, na verdade, ele capturou muito bem o que aconteceu em quase toda a história da humanidade.”

É o ciclo, explica Galor, em que uma nova tecnologia proporciona mais recursos, mas também o aumento de um grupo. Isto dificulta, após um tempo, a garantia do bem estar material para essa população de número maior.

“Dessa forma, o progresso tecnológico era convertido em mais pessoas em vez de promover melhores padrões de vida”, diz.

A revolução industrial muda isso porque leva a sociedade a lidar com um ambiente tecnológico de rápida mudança, segundo o economista.

“Os indivíduos precisam de gastar dinheiro em educação. No momento em que o investimento em capital humano começa a ocorrer, as famílias são muito pobres para investir na educação dos seus filhos. Assim, precisam de usar um outro elemento de restrição orçamentária, que é o tamanho das suas famílias.”

“Vemos um declínio dramático nas taxas de fertilidade. E, dessa forma, o processo de crescimento é libertado do efeito de contrapeso do aumento da população.”

Os países que começaram investiram numa população com formação educacional superior são os que conseguiram acumular mais riqueza, de acordo com a tese.

Mas Galor aponta para melhorias que ocorreram nesse período mesmo em países pobres. Cita índices como o aumento de 14 vezes do rendimento per capita no mundo em apenas um século e o avanço nas condições de vida — há 250 anos, quase um quarto dos recém-nascidos não chegava a completar um ano.

O peso do colonialismo e da escravidão

Galor diz que o colonialismo e a escravidão tiveram um peso para “determinar o ritmo de giro das rodas da mudança”.

Embora não reserve um capítulo específico de “A Jornada da Humanidade” para esses fatores, realça que o desenvolvimento das forças coloniais foi financiado pela extração de recursos do Novo Mundo e a exploração do comércio de escravos.

Forças que, numa fase posterior, puderam especializar-se na produção de bens manufaturados em vez de se limitar à produção agrícola.

Por outro lado, as colónias foram forçadas a concentrarem-se na produção de matéria-prima e bens agrícolas. Essa limitação atrasou o desenvolvimento tecnológico, industrial e, segundo a sua lógica, educacional. Nisto também entra o peso da formação de instituições, como explicado antes.

Galor diz que o tipo de agricultura surgida na América do Norte não exigia grandes plantações, o que levou a uma menor concentração da propriedade de terras. Isto, para ele, levou gradualmente ao surgimento de instituições mais democráticas.

“Desta forma, as instituições podem ser o resultado do tipo das produções agrícolas em diferentes lugares do mundo”, afirma.

Mas o economista enfatiza sua visão de que o colonialismo surgiu da diferença de desenvolvimento que já existia antes. “De forma que se queremos entender o desenvolvimento do mundo, nós temos que nos perguntar, porque é que algumas sociedades conseguiram colonizar outras?”.

Influências culturais

Normas culturais, que são os valores compartilhados, crenças e preferências características de uma sociedade, influenciam o seu desenvolvimento, teoriza Galor.

O israelita cita no seu livro que uma luta interna no judaísmo há 2.000 anos acabou por incentivar a alfabetização universal e formou-se uma obrigação moral para pais providenciarem educação aos filhos. Isto criou um forte valor para o estudo nesse grupo.

Traços que promoveram mais cooperação dentro de uma sociedade ou um pensamento voltado para o futuro também representaram influência no desenvolvimento económico, segundo o economista.

Críticos apontaram que neste ponto Galor torna-se “especulativo e dúbio” na sua teoria unificada.

Há ainda mais restrições sobre a sua hipótese de que a diversidade populacional numa sociedade tem bons efeitos (pela “polinização cruzada” de ideias, de mais saídas para os problemas) e outros considerados maus (menos coesão social).

Biólogos e antropologistas consideraram problemático estabelecer uma relação causal entre diversidade populacional e sucesso económico, mas Galor afirma que há uma interpretação superficial das técnicas empíricas empregadas.

Crescimento: dádiva ou desgraça?

O economista, que muitas vezes é definido como um “otimista”, defende o crescimento económico mundial dos últimos 200 anos como uma etapa de imenso progresso da humanidade, como o aumento do rendimento per capita e a diminuição da mortalidade infantil.

Galor aponta que, mesmo nos países em que a pobreza ainda está bastante presente, a conjuntura social teve uma melhoria sensível na comparação com 100 ou 200 anos atrás.

Mas a ânsia por crescimento que marca o capitalismo moderno (iniciado com a revolução industrial) também está relacionada com a crise climática que pode levar o planeta à devastação e até mesmo à extinção do Homo sapiens.

“Bem, a questão é se definimos a progressão da humanidade como algo que provoca o tipo de catástrofe que vemos no momento na forma das alterações climáticas e talvez até na forma da inteligência artificial que vai tirar o lugar de muitos trabalhadores da sociedade”, diz Galor.

“A minha visão é diferente: fizemos muitos progressos. O progresso foi tremendo, as condições de hoje parecem irreais se comparadas ao que existia antes. E isso está a manifestar-se de forma percetível. Não é que não haja desafios a serem enfrentados. Mas eles podem ser superados desde que estejamos atentos às consequências. Acho que seremos capazes de mitigá-los e permitir que a prosperidade humana continue o seu caminho”.

1 Comment

  1. Calculo que seja um livro muito interessante. Mas provavelmente não vai tocar em factores politicamente incorrectos como o quociente de inteligência médio dos povos.

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