Gabriele Malagrida chegou à capital com o futuro Marquês de Pombal, embora com objetivos totalmente diferentes. Enfrentou o poder e o terramoto de Lisboa, mas acabou na fogueira, juntamente o seu livro.
O padre jesuíta italiano Gabriele Malagrida e Sebastião José de Carvalho e Melo, mais tarde conhecido como Marquês de Pombal, chegaram a Lisboa em 1750: um como missionário consagrado pela sua devoção, e o outro, como diplomata em ascensão que moldaria Portugal durante 27 anos de governação.
Nascido em 1689, perto do lago Como, Malagrida ingressou na Companhia de Jesus em 1711 e dedicou-se às missões no Maranhão e Grão-Pará, no Brasil, onde enfrentou epidemias e conquistou reputação como pregador.
Do outro lado do Atlântico, Sebastião José de Carvalho e Melo, nascido em Lisboa em 1699, ascendia na pequena nobreza. Após uma carreira diplomática com passagens por Londres e Viena, casou-se com uma aristocrata austríaca, o que lhe trouxe influência na corte portuguesa.
O ano de 1750 foi decisivo para os dois homens. Com a morte de D. João V, D. José I subiu ao trono, com a rainha viúva Maria Ana a favorecer tanto Malagrida, no seu papel religioso, como Carvalho e Melo, na reorganização do governo, recorda Rui Tavares na National Geographic Portugal.
O Terramoto de Lisboa de 1755, um dos momentos mais marcantes do reinado de D. José I, moldou o destino de Malagrida. Para si, o terramoto era um castigo divino pelos pecados dos lisboetas, uma visão comum na época. Em sermões e no livro Juízo da Verdadeira Causa do Terramoto, Malagrida liga o desastre à falta de verdadeira devoção, criticando frivolidades como a vaidade dos jovens em missas.
Já o político e pragmático Marquês de Pombal, que procurava consolidar um Estado moderno e laico, rejeitava explicações religiosas para fenómenos naturais.
Carvalho e Melo aproveitou o terramoto para se afirmar como líder reformador. Reconstruiu Lisboa com base em princípios iluministas, e a Baixa Pombalina tornou-se símbolo dessa visão, com um urbanismo resistente a sismos.
O confronto com o padre italiano tornara-se inevitável.
A Queda de Malagrida
A relação entre Malagrida e a família Távora, acusada de conspirar contra D. José I em 1758, foi a oportunidade que Carvalho e Melo precisava para eliminar muitos dos seus inimigos. A execução pública dos Távora marcou o início de uma repressão contra a Companhia de Jesus. Os jesuítas foram expulsos de Portugal em 1759, e Malagrida, acusado de heresia, foi preso e condenado.
Em 1761, Malagrida foi queimado na fogueira, um dos últimos atos da Inquisição em Portugal. A condenação visava não só o homem, mas também as ideias que ele representava. Em 1770, o livro do milanês foi publicamente queimado — Malagrida morreu, assim, física e ideologicamente.
Com a expulsão dos jesuítas e a centralização do poder, Carvalho e Melo implementou reformas que modernizaram o Estado, mas a imposição de uma visão naturalista para explicar o terramoto gerou questões filosóficas: se Deus não enviava catástrofes para punir os homens, qual o papel divino no governo dos reis? Assim nasceram os “filhos do terramoto”: iluministas que questionaram a autoridade divina e monárquica.