Os humanos andam há 170.000 anos a comer caracóis terrestres gigantes

Johannes Krause / Museum of the Krapina Neanderthals

Afinal, há mais de 170.000 anos que o Homo sapiens se sustenta com um conhecido alimento, rico em proteínas e gorduras: a carne de caracóis gigantes terrestres.

Um novo estudo, que analisou conchas de caracóis encontradas no famoso sítio arqueológico de Border Cave, na África do Sul, revela que estes nutritivos moluscos eram uma parte importante da dieta humana há 170.000 anos.

A descoberta preenche uma lacuna curiosa no registo fóssil. Até agora, a evidência mais recente de consumo humano de caracóis era de há cerca de 49.000 anos — o que parecia peculiar, dada a facilidade de os apanhar (em segurança!) e cozinhar, além da excelente fonte de nutrientes que são.

Agora, uma equipa de arqueólogos liderada por Marine Wojcieszak , investigadora da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, mostra que os caracóis eram uma fonte de alimento dos humanos há muito, muito mais tempo.

Os resultados do estudo foram apresentados num artigo publicado este mês na revista Quaternary Science Reviews.

Há muito tempo também que Border Cave é habitada por humanos (e seus antepassados). O registo mais antigo de atividade humana no local remonta a mais de 227.000 anos atrás, e o mais recente há apenas 600 anos .

Durante as escavações mais recentes, que ocorreram entre 2015 e 2019 , os investigadores encontraram algo curioso: um grande número de fragmentos de conchas de caracóis, enterradas em camadas diferentes — em alturas diferentes, portanto.

Estes fragmentos foram identificados como pertencentes a moluscos da família Achatinidae, os caracóis gigantes terrestres. Mas, conta a Science Alert, não se sabia como e por que motivo tinham ido parar à caverna.

Wojcieszak e os colegas notaram que estes fragmentos variavam bastante em cor — uma variação que pode ocorrer quando as conchas são aquecidas.

Tal parecia ser indício de que os moluscos tinham servido de pitéu a inúmeras gerações de humanos, mas era necessário provar a teoria — bem como o método usado para os preparar.

Achatina achatina, o caracol gigante africano, é ainda hoje um prato popular no Gana

Os investigadores usaram fragmentos de concha de Metachatina kraussi, um caracol representativo da família de moluscos que produziu as conchas encontradas no local, e submeteram-nos a diferentes condições de aquecimento num forno, com temperaturas entre 200 e 550 graus Celsius, durante diferentes períodos de tempo.

Em seguida, ambos os conjuntos de conchas foram analisados por Microscopia Eletrónica de Varrimento e de Infravermelhos.

A análise permitiu concluir que as alterações nos fragmentos de Border Cave (mudança de cor e brilho, pequenas fraturas, perda de água e peso) eram resultantes da exposição ao calor — não do ambiente ou de decomposição.

A maioria dos fragmentos da caverna mostrou sinais de aquecimento, provavelmente por terem sido cozidos em brasas — o que sugere que as pessoas que viviam na caverna apanhavam caracóis e os levavam para casa, onde os partilhavam, à volta da fogueira, numa apetitosa refeição.

Apanhar e comer caracóis parece uma opção óbvia para o menu de qualquer homem das cavernas. Movem-se lentamente e não têm garras, bicos ou dentes que nos coloquem em perigo — se descontarmos um ou outro parasita que nos pode levar à cama.

Ricos em vitaminas e minerais, os saborosos (dependendo do cozinheiro) caracóis gigantes terrestres são ainda hoje um prato muito popular em alguns países da África Ocidental.

Parecia assim estranho que um alimento tão nutritivo e tão fácil de obter não fizesse parte da dieta dos primeiros humanos — um enigma que o trabalho da equipa de Wojcieszak veio resolver.

Armando Batista, ZAP //

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