A ditadura argentina escondeu locais de tortura e presos políticos durante o Campeonato do Mundo de 1978, para passar a ideia de que as acusações contra o regime eram infundadas. As informações constam de documentos oficiais e sigilosos da ONU a que o jornal O Estado de São Paulo teve acesso.
Em cartas de presos e relatos de oficiais da ONU, a organização constatou que a operação “Limpeza” foi montada durante o Mundial para ocultar crimes e sequestros de dissidentes políticos.
O principal testemunho foi prestado em 30 de setembro de 1978 ao secretário do Conselho Económico e Social da ONU, Teodoro Van Boven, pelo dissidente Jaime Feliciano Dri. O dissidente tinha sido sequestrado no Uruguai, levado para a Argentina e torturado na Escola de Mecânica da Armada (ESMA), em Buenos Aires. O local transformou-se em símbolo da tortura ao longo do governo militar.
No Mundial de 78, algumas selecções pensaram em boicotar o torneio. Na altura, grupos de direitos humanos acusaram a FIFA de apoiar o regime argentino. Perante a controvérsia, a junta militar argentina montou uma campanha para melhorar a sua imagem internacional.
“Nos primeiros meses de abril, numa operação chamada Limpeza, levaram um jornalista britânico a visitar as instalações da ESMA para que ele constatasse que era mentira o que se dizia da Escola”, relatou Dri.
O preso revelou que outros jornalistas foram levados a visitar apenas um dos andares do edifício, onde os locais de tortura tinham sido transformados em quartos normais. Os prisioneiros foram escondidos durante as visitas. “Os sequestrados eram obrigados a vestir-se com fardas de oficiais e suboficiais da Marinha, alguns da Polícia Federal, para mostrar que a ESMA não era um centro de detenção, apenas de inteligência contra a subversão”, afirmou.
Os locais de tortura eram também disfarçados. “As salas foram desmanteladas. As camas de ferro, fixadas no chão, foram arrancadas”, revelou o dissidente.
ZAP/MA-AE