Ómicron “veio mudar as regras do jogo”. Letalidade baixou substancialmente

Na média dos últimos sete dias registaram-se 45 óbitos por dia. 67% são maiores de 80 anos e 20% têm entre 70 e 79 anos.

A letalidade — número de óbitos dividido pelo número de casos — por covid-19 é atualmente de 0,004%, o que significa que há 0,4 mortes por cada 10 mil casos ocorridos nos últimos 21 dias.

De acordo com o Público, os cálculos foram realizados pela equipa de especialistas da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL), que tem acompanhado a evolução da epidemia em Portugal.

Os números foram adiantados pelo epidemiologista e professor da FCUL Manuel Carmo Gomes, que lembra que, nos últimos dias de janeiro de 2021, a letalidade por covid era substancialmente superior (13,4 óbitos por cada 10 mil casos), numa altura em que a variante dominante era a Alfa e a cobertura vacinal era “incipiente”.

Tendo em conta o atual nível de incidência, que é extremamente elevado, apesar de já estar a diminuir de forma significativa, “a Ómicron mata muito pouco numa população altamente vacinada como a nossa”, refere Carmo Gomes.

A equipa usa como denominador para os cálculos de letalidade o número de óbitos dividido pelo número de casos ocorridos nos últimos 21 dias, considerando “o tempo médio que decorre entre diagnóstico e morte“.

“Na média dos últimos sete dias temos 45 óbitos por dia e, destes, 67% são maiores de 80 anos e 20% têm entre 70 e 79 anos”, detalha o epidemiologista.

“Infelizmente, o número de casos nestas idades está a descer muito lentamente. Ainda temos cerca de 850 novos casos por dia [na faixa dos] 80 ou mais anos e cerca de mil na dos 70 a 79″. E alguns dos infetados têm “muita patologia e descompensam”, explica.

Mortalidade acima do limiar do ECDC

Mas, numa altura em que o número de novos casos de covid-19 está a diminuir de forma rápida e os internamentos hospitalares estão a descer, é o indicador da mortalidade (não confundir com o da letalidade) que está a deixar os responsáveis preocupados e renitentes quanto a um alívio rápido de todas as medidas restritivas.

A média de mortes reportadas por covid-19 em Portugal continua acima do limiar máximo (20 por milhão de habitantes a 14 dias) recomendado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), é ainda superior a 60 por milhão.

Os especialistas da Direção-Geral da Saúde (DGS) e do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (Insa) relativizaram de alguma forma a dimensão deste indicador na reunião do Infarmed desta quarta-feira.

Notaram que já se perspetiva uma tendência para a diminuição das mortes por covid-19 e lembraram que o excesso de mortalidade por todas as causas neste Inverno até é inferior ao observado em vários Invernos passados.

Apesar de a mortalidade por covid estar acima do limiar máximo definido pelo ECDC, “estabilizou pela primeira vez no passado fim-de-semana”, e, “atendendo à diminuição da incidência dos grupos etários mais velhos, espera-se uma redução da mortalidade na próxima semana“, sublinhou o diretor do Serviço de Informação e Análise da DGS, Pedro Pinto Leite.

A mortalidade por covid está já mesmo a diminuir se a análise se reportar aos últimos sete dias, acrescentou.

O epidemiologista Baltazar Nunes, do Insa, olhou para um outro indicador – o do excesso de mortalidade (óbitos acima do esperado para a época do ano) por todas as causas entre 2007 e 2022, usado antes da pandemia para monitorizar o impacto das epidemias de gripe e do frio – para concluir que Portugal se encontra agora “ao nível de uma época de Inverno de menor impacto na gravidade”.

“Em comparação com o período pré-pandémico, o número de óbitos por todas as causas encontra-se ao nível de um Inverno de excesso de mortalidade baixo a moderado – efeito de elevada cobertura vacinal e menor gravidade da variante Ómicron”, sintetizou Baltazar Nunes.

O epidemiologista lembra que no passado “houve períodos de excesso de mortalidade em épocas de Inverno que foram superiores ao que observamos atualmente”.

Este dado, enfatizou, pode ser “importante para refletir sobre as medidas implementadas e para escolher algumas” que poderão ser adotadas no futuro de maneira a “não termos excesso de mortalidade” devido a epidemias de doenças respiratórias, como acontecia no passado.

Antes da pandemia, o Insa contabilizava os excessos de mortalidade associados à epidemia de gripe e ao frio.

E houve Invernos muito complicados na última década — no de 2014/2015, estimou-se que o frio e a gripe tenham contribuído para 5591 mortes acima do esperado e, no de 2016/2017, o impacto também foi significativo (4467 óbitos).

Este Inverno, o excesso de mortalidade por todas as causas “é sobreponível ou mesmo inferior a alguns anos do passado“, atesta a médica Raquel Duarte, da equipa que tem aconselhado o Governo nos planos de desconfinamento.

Mas a pneumologista defende que o número de mortes por covid-19 ainda é “preocupante” e é preferível ser “prudente” e esperar até que se atinja o limiar preconizado pelo ECDC para passar ao nível em que até as máscaras deixarão de ser obrigatórias, sendo apenas usadas em situações em que haja um risco acrescido de contágio.

Quanto tempo vai ser preciso esperar? “Creio que manter as máscaras em locais fechados durante um mês não será um sacrifício muito grande”, responde.

Ómicron “veio mudar as regras do jogo”

Manuel Carmo Gomes considera que os limiares do ECDC “são discutíveis” e supõe mesmo que “terão de ser em breve revistos”, uma vez que a variante Ómicron “veio mudar as regras do jogo”.

Seja como for, o epidemiologista acredita que “nas próximas semanas tenderemos para o limiar do ECDC”, uma vez que os óbitos “parecem já não estar a crescer“.

Notando ainda que “globalmente todas as causas de morte estão abaixo do expectável pré-pandémico”, o epidemiologista acredita que no futuro talvez faça sentido “usar como critério a mortalidade pelo conjunto de infeções respiratórias e não apenas pela covid”.

O Público perguntou aos responsáveis do Departamento de Epidemiologia do Insa se estão a contabilizar as mortes em excesso neste Inverno, como fizeram no passado com as epidemias de gripe e vagas de frio.

“Neste momento, não é possível fazer essas estimativas, uma vez que a epidemia de covid-19 ainda decorre e as estimativas que desenvolvemos no passado para a gripe e frio foram feitas depois da ocorrência dos fenómenos”, responderam.

Além disso, “a inclusão da mortalidade atribuível à covid-19 nos modelos usados para estimar a mortalidade e o frio” necessita ainda de ser validada, acrescentam.

Considerando que a mortalidade por todas as causas é um indicador “muito sensível e independente da precisão do diagnóstico e da atribuição da causa de morte”, os especialistas do Insa sustentam que “o número de óbitos específicos por covid-19 deve ser analisado em comparação com o número total de óbitos ocorridos diariamente”.

“Quando fazemos esse exercício, este [o atual] número de óbitos por covid-19 fica praticamente todo incluído no que seria esperado para esta altura do ano e, por isso, o excesso de mortalidade é semelhante ao observado em invernos classificados como impacto baixo a moderado”, explicam.

Sendo a mortalidade um dos indicadores usados na decisão das medidas de saúde pública, “deve ser interpretado em conjunto” com os outros, “para que haja uma visão global”, defendem os especialistas.

“Neste momento, os indicadores de transmissão estão a decrescer e, por isso, espera-se que o mesmo venha a acontecer com a mortalidade nos próximos dias. A confirmar-se esta situação, poderemos iniciar o alívio faseado de algumas medidas, uma vez que a incidência apresenta uma tendência de decréscimo acentuado, mas sempre mantendo uma vigilância atenta”, notam os responsáveis.

“Totalmente diferentes seriam as opções a tomar numa situação com igual mortalidade, mas com uma incidência claramente crescente, sobretudo se esse crescimento fosse observado nos grupos etários mais velhos“, concluem.

ZAP //

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