Um novo cenário que procura explicar como os oceanos putativos de Marte surgiram e desapareceram nos últimos 4 mil milhões de anos acarreta que estes se formaram várias centenas de milhões de anos mais cedo e não eram tão profundos quanto se pensava.
A proposta dos geofísicos da Universidade da Califórnia em Berkeley, EUA, liga a existência de oceanos no início da história de Marte ao aparecimento do maior sistema de vulcões do Sistema Solar, Tharsis, e destaca o papel fundamental desempenhado pelo aquecimento global ao permitir a existência de água líquida em Marte.
“Os vulcões podem ser importantes na criação das condições húmidas de Marte”, comenta Michael Manga, professor de Ciências Planetárias e da Terra de UC Berkeley e autor sénior de um artigo publicado na Nature esta semana e colocado online no dia 19.
Aqueles que alegam que Marte nunca teve oceanos de água líquida geralmente apontam para o facto de que as estimativas do tamanho dos oceanos não lidam bem com as estimativas da quantidade de água que poderá estar escondida como pergelissolo subterrâneo e com as estimativas da quantidade de água perdida para o espaço. Estas são as opções principais, uma vez que as calotas polares não contêm água suficiente para preencher um oceano.
O novo modelo propõe que os oceanos se formaram antes ou ao mesmo tempo que a maior característica vulcânica de Marte, Tharsis, em vez de depois de Tharsis se ter formado há 3,7 mil milhões de anos.
Como Tharsis era mais pequena naquela época, não distorcia o planeta tanto quanto mais tarde, em particular as planícies que cobrem a maior parte do hemisfério norte e que se presume serem o antigo fundo oceânico. A ausência de deformação crustal de Tharsis significa que os mares teriam sido menos profundos, contendo cerca de metade da água de estimativas anteriores.
“O pressuposto era que Tharsis se formou rapidamente e cedo, em vez de gradualmente, e que os oceanos vieram depois”, explica Manga. “Estamos a dizer que os oceanos antecedem e acompanham as erupções de lava que formaram Tharsis”.
É provável, acrescenta, que Tharsis tenha expelido gases para a atmosfera, e que por sua vez estes produziram um aquecimento global ou efeito de estufa que permitiu com que a água líquida existisse no planeta, e também que as erupções vulcânicas criaram canais que permitiram que as águas subterrâneas alcançassem a superfície e preenchessem as planícies a norte.
Seguindo as linhas costeiras
O modelo também contesta outro argumento contra os oceanos: que as propostas linhas costeiras são muito irregulares, variando em altura até um quilómetro, quando deviam estar niveladas, como as linhas costeiras da Terra.
Esta irregularidade pode ser explicada se o primeiro oceano, de nome Arabia, começasse a ser formado há cerca de 4 mil milhões de anos e existisse, de forma intermitente, durante os primeiros 20% do crescimento de Tharsis. O vulcão em crescimento teria abatido o solo e deformado a costa ao longo do tempo, o que poderá explicar as alturas irregulares no litoral de Arabia.
Da mesma forma, o litoral irregular de um oceano subsequente, chamado Deuteronilus, pode ser explicado caso se tenha formado durante os últimos 17% do crescimento de Tharsis, há cerca de 3,6 mil milhões de anos atrás.
“Estas linhas costeiras podem ter sido ‘colocadas’ por um grande corpo de água líquida que existiu antes e durante a formação de Tharsis, em vez de depois”, afirma o autor principal Robert Citron, estudante da UC Berkeley. Citron apresenta hoje o artigo sobre a nova análise na conferência anual de Ciência Lunar e Planetária no estado norte-americano do Texas.
Tharsis, agora um complexo eruptivo com 5000 km de diâmetro, contém alguns dos maiores vulcões do Sistema Solar e domina a topografia de Marte. A Terra, com o dobro do diâmetro e 10 vezes mais massivo, não possui uma característica dominante equivalente.
O grosso de Tharsis cria uma protuberância no lado oposto do planeta e uma depressão a meio do caminho. Isto explica por que as estimativas do volume de água que as planícies a norte podiam conter, com base na topografia de hoje, são o dobro das estimativas do novo estudo com base na topografia de há 4 mil milhões de anos.
Nova hipótese suplanta antiga
Manga, que modela o fluxo de calor interno de Marte, como as plumas crescentes de rocha fundida que entram em erupção através de vulcões à superfície, tentou explicar as costas irregulares das planícies de Marte há 11 anos com outra teoria. Ele e o ex-aluno Taylor Perron sugeriram que Tharsis, que na altura se pensava ter originado a latitudes extremas a norte, era tão massivo que fez com que o eixo de rotação de Marte se movesse vários milhares de quilómetros para sul, alterando as linhas costeiras.
No entanto, desde então outros mostraram que Tharsis teve origem apenas 20º acima do equador, deitando abaixo essa teoria. Mas Manga e Citron tiveram outra ideia, a de que a costa pode ter sido esculpida à medida que Tharsis crescia, não depois. A nova teoria também pode explicar o corte de redes de vales por água líquida quase à mesma altura.
“Esta é uma hipótese”, enfatizou Manga. “Mas os cientistas podem fazer mais do que a datação precisa de Tharsis e das linhas costeiras para ver se se mantém”.
O próximo “lander” marciano da NASA, a missão InSight (Interior Exploration using Seismic Investigations, Geodesy and Heat Transport), pode ajudar a responder à pergunta.
Com lançamento previsto para maio, colocará um sismómetro à superfície para sondar o interior e talvez encontre remanescentes congelados desse antigo oceano, ou até água líquida.
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