Um pequeno país tem a taxa de suicídios mais alta do mundo

Lesoto, apelidado de “reino no céu” devido à sua altitude, tem a taxa de suicídios mais alta do mundo.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), 87,5 pessoas por 100 mil habitantes tiram a própria vida todos os anos em Lesoto.

Este número é mais que o dobro do registado pelo próximo país da lista, a Guiana, na América do Sul, onde a taxa de suicídio é de pouco mais de 40 por 100 mil habitantes.

Também é quase dez vezes a média global, que é de nove suicídios para cada 100 mil pessoas.

Esta é uma estatística que ONGs, como a HelpLesotho, estão determinadas a mudar, munindo os jovens com as habilidades necessárias para gerenciar sua saúde mental.

Terapia de grupo

Na cidade de Hlotse, a cerca de duas horas de carro da capital Maseru, acontecia uma das sessões regulares de terapia de grupo para mulheres jovens, dirigidas pela assistente social Lineo Raphoka.

“As pessoas pensam que isso vai contra os nossos princípios, as nossas experiências culturais, a nossa espiritualidade como africanos e como comunidade em geral”, diz Patience, de 24 anos, ao grupo.

“Mas também estamos a esconder o que está a acontecer. Perdi três amigos por suicídio. Eu mesma tentei.”

Todos aqui já tiveram pensamentos suicidas ou conhecem alguém que cometeu suicídio.

Ntsoaki, de 35 anos, emociona-se ao partilhar a sua história com o grupo. Ela foi violada no hospital.

“O médico disse-me que eu era muito atraente. Aí ele sacou uma arma, e disse que queria ter prazer comigo, e que se eu não deixasse, me mataria.”

“Pensei em suicídio, e que era a única solução. Não consegui, não tive forças para fazer isso. A única coisa que me manteve em movimento ou viva foi o rosto dos meus irmãos. Eles acham que sou forte, mas sou fraca”, relatou.

O grupo garante que ela é forte por partilhar os seus sentimentos.

Quando a sessão termina, todas as mulheres conversam e sorriem, dizendo que estão a sentir-se melhor por terem partilhado as suas histórias.

As razões pelas quais as pessoas tiram a própria vida são muitas vezes complicadas — e é difícil isolar uma única causa.

Padrões que ajudam a entender

Apesar disso, Raphoka diz que vê padrões que explicam por que o Lesoto tem uma taxa de suicídio tão alta.

“Na maioria das vezes, são pessoas que passam por situações como violações, desemprego, perda de um ente querido. Fazem uso abusivo de drogas e álcool.”

De acordo com um relatório de 2022 do World Population Review, 86% das mulheres no Lesoto sofrem violência de género.

Enquanto isso, o Banco Mundial afirma que dois em cada cinco jovens não têm emprego nem formação.

“Não recebem apoio suficiente de suas famílias, amigos ou de qualquer tipo de relacionamento que tenham”, acrescenta Raphoka.

É algo que se ouve com frequência em Lesoto. As pessoas dizem repetidamente que não se sentem à vontade ​​para falar sobre sua saúde mental — e que outros podem julgá-las.

Uma noite, sentado num bar em Hlotse, onde a clientela masculina bebe cerveja local e conversa sobre política enquanto assiste à uma partida de futebol na TV, surgiu o assunto da saúde mental.

“Nós conversamos sobre isso, dizemos: ‘vamos abrir-nos‘”, afirma Khosi Mpiti.

Alguns receiam que, se revelarem demais, isso possa gerar fofocas sobre eles. Apesar disso, Mpiti diz que as coisas estão a melhorar.

“Como grupo [de amigos], apoiamo-nos muito. Se tenho um problema, eu conto ao grupo, e apoiamo-nos mutuamente.”

No entanto, quando as pessoas procuram ajuda profissional, enfrentam dificuldades no sistema público de saúde.

A única unidade psiquiátrica do país foi criticada no ano passado pelo ombudsman, funcionário cuja função é zelar pelos interesses públicos, por não ter um psiquiatra desde 2017.

Mpiti também destacou abusos generalizados, incluindo “condições que violam os direitos humanos”.

Tampouco havia uma política nacional de saúde mental para lidar com a crise, embora o governo, eleito em outubro de 2022, diga que está em processo de elaboração de uma.

“O problema de saúde mental tornou-se uma epidemia“, admite Mokhothu Makhalanyane, parlamentar que dirige uma comissão voltada para questões de saúde.

“Estamos a certificar-nos de que a mensagem chegue a todos, desde escolas primárias até escolas secundárias, e locais onde os jovens se reúnem, como torneios de futebol”, disse à BBC.

“A política também será específica em termos de tratamento, e permitirá que as pessoas afetadas se submetam à reabilitação.”

Segundo ele, Lesoto pode aprender com a sua luta contra o VIH, vírus causador da SIDA.

Em 2016, Lesoto se tornou o primeiro país a introduzir uma estratégia de “teste e ensaio”, o que significa que as pessoas podem iniciar o tratamento assim que forem diagnosticadas. As taxas de infeção pelo vírus diminuíram constantemente.

“A experiência que tivemos é que falar abertamente, e não culpar nem criticar as pessoas pela situação, ajudou a mudar as coisas.”

 

ZAP // BBC

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