O dia em que 57 pessoas fugiram por um túnel escavado debaixo do Muro de Berlim

Foi uma das fugas mais espetaculares da história da URSS: levou meio ano a ser possível, foi orquestrada por estudantes e até foi gravada em vídeo — por uma televisão americana.

Ao longo dos 30 anos de existência do Muro de Berlim, que separava a Alemanha Ocidental da Oriental, houve cerca de 20 tentativas de fuga através de túneis.

No entanto, uma delas destacou-se não apenas pelo grande número de pessoas evadidas da RDA, dominada pela URSS, para a RFA, de domínio ocidental, mas também pelo engenho dos protagonistas.

Tudo começou em abril de 1964, quando um grupo de jovens, a maioria estudantes,

Peter Schulenburg, um estudante de Direito na Alemanha Ocidental, opunha-se fortemente às políticas aplicadas do outro lado do Muro.

É então que decide orquestrar a construção de um túnel subterrâneo que pudesse ajudar na fuga de pessoas da RDA, que se opusessem ao regime comunista instaurado.

Schulenburg levou uma vida dupla para garantir que ninguém descobria as suas atividades secretas, conta o site The Berlin Wall. Nem sequer a sua namorada sabia que escavava com as suas próprias mãos um incrível túnel com 145 metros de comprimento, 12 metros abaixo da terra.

Este gesto solidário foi seguido por outros cerca de 30 estudantes do lado liberal da Alemanha — todos ajudaram a escavar. Hasso Herschel, um dos envolvidos, contou à DW que todos trabalhavam até o esgotamento, “mas como todos éramos jovens, isto não era um problema – meia hora de descanso e já estávamos de novo em forma para fazer qualquer coisa. Mas a nossa aparência era muito bizarra: pálidos, suados e até feridos, por causa das pedras, dos cacos e das ferramentas”.

No fim, o espetacular túnel passava por baixo de uma casa, duas ruas e culminava numa velha casa de banho exterior de um pátio, encostada ao muro.

DW / YouTube

Um dos estudantes que ajudou à fuga, Klaus-Michael von Keussler, segura uma fotografia de si próprio em 1964

Chegou o dia da fuga — 5 de outubro de 1964, meio ano depois.

Devido a um imprevisto na fuga, o guarda da fronteira da RDA, Egon Schulz, acabou por ser morto a tiro. Mas Schulenburg só descobriu o que realmente aconteceu naquela noite décadas mais tarde, quando teve acesso aos ficheiros da Stasi — na sua cabeça, tinha tudo corrido como planeado.

Entretanto, debaixo do túnel, esperavam os fugitivos jornalistas do canal televisivo americano NBC, que reportou todo o evento e chegou mesmo a garantir financiamento ao projeto, para ajudar a evadir os desertores.

Na ajuda à fuga estiveram também envolvidos a polícia do lado ocidental e membros da União Democrata Cristã (CDU) de Berlim Ocidental, que doaram dinheiro para a aquisição de ferramentas e equipamento.

O grupo de fugitivos era composto por 23 homens, 31 mulheres e 3 crianças. Um guarda em Berlim Oriental, ao aperceber-se da fuga, ainda tentou disparar para dentro do túnel, mas em vão — as 57 pessoas já estavam em liberdade, recebidas calorosamente pelos alemães do leste, depois de serem içadas por cordas.

Foi uma das fugas mais incríveis da história da Alemanha, apenas possível devido à empatia entre as Alemanhas divididas, tão perto mas tão longe — a uma casa de banho velha de distância.

Carolina Bastos Pereira, ZAP //

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