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O centro da Via Láctea brilha misteriosamente (e a culpa pode ser da matéria escura)

NASA Goddard; A. Mellinger, CMU; T. Linden, Univ. of Chicago

O centro da Via Láctea está a brilhar misteriosamente. Esse excesso de radiação gama que se espalha pela região tem intrigado os cientistas desde que foi descoberto, em 2009. Agora, um novo estudo aponta o dedo à matéria escura.

No passado recente, as missões espaciais dedicadas ao estudo de sinais astrofísicos no espectro de altas energias revelaram uma série de excessos enigmáticos não previstos pelos modelos teóricos.

A fim de encontrar uma explicação para essas anomalias, várias soluções foram propostas. A hipótese mais excitante invoca a indescritível matéria escura, a misteriosa forma de matéria quatro vezes mais abundante que a comum e da qual até agora apenas detetámos os efeitos gravitacionais.

De acordo com o ScienceAlert, os físicos Lisa Goodenough e Dan Hooper, que descobriram este excesso de radiação, propuseram que, se certas partículas de matéria escura chamadas WIMPS (partículas massivas de interação fraca) e as suas antipartículas colidissem, aniquilar-se-iam, explodindo numa chuva de outras partículas, incluindo fotões de raios gama.

Em 2018, outra equipa propôs que estrelas mortas chamadas pulsares poderiam estar a causar o excesso.

Dois estudos teóricos recentes, realizados por Mattia di Mauro, investigador da divisão de Torino do National Institute for Nuclear Physics (INFN), confirmam que essa explicação é compatível com os excessos medidos, demonstrando ainda que não é refutada por potenciais discrepâncias entre dados teóricos e observacionais.

Os resultados obtidos são baseados numa análise inovadora e refinada, comparando dados adquiridos nos últimos 11 anos pelo principal instrumento a bordo do Fermi da NASA, o Fermi Large Area Telescope (LAT), com medições de outras anomalias astronómicas registadas pelo detetor orbital Pamela e pelo Alpha Magnetic Spectrometer (AMS-02), a bordo da Estação Espacial Internacional.

Para descrever as propriedades do excesso de raios gama com mais precisão e avaliar se é realmente compatível com a matéria escura, o novo estudo contou com o mais amplo conjunto de dados, colhidos no último ano pelo LAT, e utilizou uma técnica de análise que minimiza as incertezas do fundo astrofísico pela adoção de vários modelos.

“A metodologia de análise utilizada forneceu informações muito relevantes sobre a distribuição espacial do excesso de radiação gama, o que pode explicar o que gera o excesso de fotões de alta energia no centro galáctico. Por exemplo, causada pela interação entre raios cósmicos e átomos, seria de se esperar observar a sua maior distribuição espacial em energias mais baixas e a sua difusão mais baixa em energias mais altas devido à propagação de partículas cósmicas”, começou por explicar di Mauro, em comunicado.

“O meu estudo, por outro lado, sublinha que a distribuição do excesso não muda em função da energia. Este aspeto nunca havia sido observado antes e poderia ser explicado pela interpretação da presença de matéria escura. Isto porque pensamos que as partículas que compõem o halo de matéria escura deveriam ter energias semelhantes”, continuou.

“A análise mostra claramente que o excesso de raios gama está concentrado no centro galáctico, exatamente o que esperaríamos encontrar no coração da Via Láctea se a matéria escura for, de facto, um novo tipo de partícula“, concluiu.

Este estudo foi publicado este mês na revista científica Physical Review D.

Um segundo estudo, que será publicado na mesma revista examina a validade da hipótese da matéria escura, usando as previsões de um modelo maior que descreve as possíveis interações de partículas desse elusivo componente do universo.

Um modelo teórico demonstrou como a existência de partículas de matéria escura não é contestada por outras anomalias registadas no fundo astrofísico. Isso inclui o excesso de positrões medido por Pamela e AMS-02, se atribuído a um excedente de matéria escura, e a não deteção de fotões de alta energia de galáxias anãs próximas à nossa, cujos movimentos estelares implicam na presença de altas concentrações de matéria escura.

“Esta comparação possibilitou derivar propriedades precisas da matéria escura, propriedades compatíveis com o excesso do centro galáctico e os limites superiores encontrados com outros dados de partículas”, explicou.

Maria Campos, ZAP //

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