Novo modelo de inteligência pode derrubar medicina, biologia, genética e IA

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São ideias “absolutamente malucas”. Mas quando é que vamos passar do “isso é impossível” para o “isso é completamente óbvio”?

O título partilhado pelo New Atlas é arriscado. Há ideias “absolutamente malucas”, admite-se logo no início do texto.

Mas na base dessas ideias está Michael Levin, cientista conceituado, director de instituições ou centros de ciência importantes, e co-autor de várias centenas de artigos científicos, com quase 30.000 citações e muitos prémios na colecção.

Vários assuntos frequentemente abordados entre cientistas são explicados, ou desconstruídos, nesta análise.

ADN

O primeiro é o ADN: será o plano a partir do qual os nossos corpos são construídos? O conjunto de instruções que diz às células estaminais onde crescer e o que se tornar, de modo a montar um organismo biológico?

Se calhar, não.

“Se fizer uma ‘rã Picasso’ – são girinos onde as mandíbulas podem estar de lado, os olhos estão aqui em cima, as narinas movem-se, tudo é deslocado – estes girinos formam maioritariamente faces normais de rã. Isso é incrível – todos os órgãos começam em posições anormais, mas ainda assim acabam por formar uma face de rã bastante boa”.

“Portanto, este sistema, como muitos sistemas vivos, não é um conjunto de movimentos pré-programados; na verdade, funciona para reduzir o erro entre o que está a acontecer agora e o que sabe ser uma configuração correta de face de rã. Este tipo de tomada de decisão envolve respostas flexíveis a novas circunstâncias? Noutros contextos, chamaríamos a isto inteligência.”

Então, se não é o ADN que comunica com estas células através de sinais bioquímicos, como é que estas células sabem onde estão e o que fazer a seguir?

Bioeletricidade

A resposta logo a seguir: comunicam bioquimicamente e através de forças físicas. E há mais: a bioeletricidade não-neural. “Todas as células – não apenas os nervos, mas todas as células do seu corpo – comunicam entre si usando sinais elétricos”.

A equipa de cientistas liderada por Michael Levin seguiu esses sinais elétricos em embriões de rã à medida que se desenvolviam, e viram que, assim que as células começam a dividir-se num novo organismo, começam a formar redes elétricas.

Ao longo de muitos anos, chegaram a esta conclusão: o ADN, de certa forma, não é o programa de software que constrói o corpo. É mais como o hardware em que um sistema inteligente funciona.

“O que o genoma codifica é o hardware – ele diz a cada célula que tipo de hardware microscópico tem que utilizar. São as proteínas que possui. Tudo o que acontece depois disso é software”.

“E esse hardware é reprogramável. O genoma não especifica diretamente a sua forma. Não molda o conteúdo das memórias das redes do seu corpo. O que lhe dá é um hardware incrível que faz algumas coisas por padrão, logo de início, mas também é altamente reprogramável”.

Ou seja, continua o especialista, as células formam redes elétricas, e estas redes processam informações, incluindo memórias de padrões, que incluem “representações de estruturas anatómicas em larga escala, onde vão os vários órgãos, onde estarão os diferentes eixos do animal – frente e trás, cabeça e cauda. Estão literalmente armazenados nos circuitos elétricos através de grandes tecidos, da mesma forma que os cérebros armazenam outros tipos de memórias e aprendizagem”.

Numa experiência “completamente louca”, como admitiu o próprio cientista, cortaram as cabeças de vermes de duas cabeças; ao contrário do que diria o paradigma padrão (iria sair dali um verme perfeitamente normal), os vermes continuam a regenerar como vermes de duas cabeças. “A estrutura de informação que diz a esses vermes quantas cabeças eles devem ter não está diretamente no genoma, está nesta camada bioelétrica adicional”, explica.

Regeneração = revolução

A sua equipa também tem evidenciado que “hackear” vários organismos pode ser muito mais fácil do que pode parecer: não precisamos de saber como construir uma mão, ou um olho, ou um cérebro a nível granular; a inteligência celular sabe o que fazer – só precisamos de desencadear a construção do órgão a um nível macro.

Exemplo: construir olhos completos em girinos. “Ao desencadear sub-rotinas de construção de olhos no software fisiológico do corpo, conseguimos muito, muito facilmente dizer-lhe para construir um órgão complexo. Isso é importante para a biomedicina, porque nós não sabemos como microgerenciar a construção de um olho”.

O corpo já sabe como construir olhos ou mãos, aparentemente. São sub-rotinas que podem ser desencadeadas por padrões elétricos específicos que podemos encontrar. É o código bioelétrico.

E fica o aviso: se conseguem regenerar qualquer parte do corpo desde o início… Temos uma forma completamente nova de medicina com alguns poderes “francamente assustadores”, lê-se. Haverá muito potencial nos campos da inteligência celular e do hacking bioelétrico.

Prevê-se uma revolução na biomedicina: defeitos congénitos, doenças degenerativas, envelhecimento, lesões traumáticas, até o cancro… Tudo pode ser combatido de outra forma se as células passarem a construir o que queremos que elas construam. É uma questão de saber comunicar com elas e reescrever as suas morfologias alvo.

Inteligência de navegação

Estes padrões de sub-rotina também chegam ao nível molecular. São sub-agentes que resolvem problemas em vários espaços; espaço anatómico, espaço fisiológico…

“E vai ainda abaixo das células. Estamos a estudar as capacidades de aprendizagem de redes moleculares. Não importa células inteiras, até mesmo as redes moleculares provavelmente têm pelo menos seis diferentes tipos de capacidade de aprendizagem”.

Trata-se de uma inteligência de navegação. É a “capacidade de navegar num espaço de problemas e alcançar os seus objetivos, apesar de várias novas coisas que vão acontecer.” Uma inteligência flexível e capaz de resolver problemas em diversos contextos (e não é filosofia, já foi testado, experimentado). Como se uma célula soubesse o que fazer – mesmo que não tenha um “espírito”, até porque não tem mesmo.

Consciência e IA: a linha

No âmbito da Inteligência Artificial, Michael Levin acredita em máquinas com um “grau considerável – em alguns casos, um grau humano – de inteligência operacional”.

O cientista já encontrou capacidades e comportamentos de resolução de problemas inesperados em “algo tão burro” como um algoritmo de ordenação. Podemos “encontrar coisas que não sabíamos que as máquinas poderiam fazer. Coisas que literalmente não estão no algoritmo. Isso diz-me que precisamos ter muita humildade em dizer que sabemos o que algo faz, ou do que é capaz”, avisa.

Levin até começou a escrever um artigo sobre a linha que separa a inteligência celular viva e a inteligência artificial. Mas… parou. “Não quero ser responsável por isso”.

Novas formas de vida consciente?

Já na reta final da reflexão: será possível criar novas formas de vida consciente e inteligente, usando as incríveis descobertas e técnicas que tem originado?

“Acho que é absolutamente possível,” respondeu Levin.

O cientista, no entanto, tem noção de que ainda há muito público em palestras que está a ouvir as suas palavras mas não está a perceber nada; porque está a falar em assuntos que o público nunca tinha ouvido, ou que acha que está tudo errado.

“Por isso, não tenho a certeza de quando será essa transição de ‘isso é impossível’ para ‘isso é completamente óbvio'”.

Mas acredita que pode “virar tudo de cabeça para baixo. E deveria”.

Porque o futuro é… “a liberdade de encarnação“.

ZAP //

1 Comment

  1. Bom artigo, mas as bases para o que nele é dito foram lançadas, já em finais do século passado, pelo biólogo britânico Rupert Sheldrake – “The Presence of the Past: Morphic Resonance & the Habits of Nature” e “Morphic Resonance: The Science of Formative Causation”. Obviamente, Sheldrake defende o princípio da inteligência natural, ou seja, a vida É inteligente… by design!

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