Esta votação pode ser o primeiro sinal de instabilidade no recém-formado governo, que inclui oito partidos que se estendem da esquerda até à extrema-direita.
Com apenas três semanas de governo, Naftali Bennett já falhou o primeiro grande teste político. O novo primeiro-ministro de Israel não conseguiu aprovar a lei da cidadania, introduzida em 2003 e que tem de ser renovada todos os anos.
A lei foi inicialmente aprovada durante a Segunda Intifada e impede a cidadania ou residência permanente a palestinianos dos territórios ocupados que casem com israelitas, o que causa muitas inconveniências a israelitas árabes que se relacionam com palestinianos da Cisjordânia ou da Faixa de Gaza que influenciam a decisão de casar ou não.
No sistema actual, muitos palestinianos são obrigados a pedir vistos turísticos que os impedem de ter carta de condução, seguro de saúde público ou alguns tipos de emprego.
Já há muito que vários grupos de defesa dos direitos humanos e de apoio aos palestinianos criticam a lei por ser discriminatória e racista. A Associação pelos Direitos Civis em Israel apelidou a lei como “uma nódoa” e apelou à eliminação imediata de “todos os vestígios desta lei de cidadania e entrada vergonhosa“.
Apesar das críticas, a lei continuou a ser aprovada durante 17 anos com maiorias no Knesset quase automáticas sob o pretexto da necessidade de segurança e para garantir o estatuto demográfico de Israel como um estado judeu.
Até agora. Desta vez, alguns membros da diversa e frágil coligação não aprovaram a extensão, com a abstenção de dois membros do Lista Árabe Unida e o voto contra de um membro do Yamina, o partido de Bennett.
O voto final de 59-59 não chegou para a aprovação e sem a renovação anual, a medida expirou à meia-noite. Mais de dez mil de palestinianos residentes na Cisjordânia ou na Faixa de Gaza podem assim candidatar-se para viver em Israel ou para obterem cidadania.
O Likud, partido do anterior primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, também votou contra. Apesar de ter apoiado a lei no passado, Netanyahu tem esperanças de voltar a ser a figura central do executivo israelita.
Num debate sobre a lei na Segunda-Feira, Bennett acusou a oposição de ser irresponsável e fazer “jogos infantis“. “Há coisas com as quais não se brincam. O estado deve controlar quem pode entrar e quem tem direito à cidadania”, afirmou.
A resposta de Netanyahu não tardou. “”Mostrem responsabilidade”, dizem eles. Onde está a vossa responsabilidade em estabelecer este governo? Formaram um governo que, pela primeira vez na história de Israel, está dependente de grupos anti-sionistas!”, retrucou, referindo-se à participação da Lista Árabe Unida na coligação.
Os deputados fiéis a Netanyahu ainda tentaram transformar o voto numa moção de censura à última da hora, mas o voto precisaria de uma maioria absoluta de 61 votos para passar. Assim, o governo conseguiu sobreviver.
A fragilidade da coligação Bennett-Lapid
A verdade é que as rachas na recente coligação que depôs Netanyahu eram evidentes desde o início. Há cerca de três semanas, o ex-apresentador televisivo Yair Lapid venceu uma moção de confiança no Knesset com 60 votos a favor e 59 contra.
O novo governo inclui oito partidos desde a esquerda até à extrema-direita e incluiu um partido árabe pela primeira vez na história de Israel. A falha na aprovação da lei da cidadania pode ser o primeiro sinal da instabilidade que advém de um executivo que nasceu apenas do desejo comum de remover Netanyahu do poder e que agrega visões ideológicas incompatíveis.
O papel de primeiro-ministro vai ser dividido entre o actual detentor Naftali Bennett e Yair Lapid, que vai ocupar o cargo nos últimos dois anos do mandato de quatro anos. Os dois têm um historial conflituoso, sendo Lapid um centrista e Bennett um ultraconservador que se opõe à criação de um estado palestiniano.
Depois de 12 anos consecutivos como primeiro-ministro anos, Benjamin Netanyahu prometeu fazer oposição aguerrida. “Isto não aconteceu por acaso. Se estamos destinados a ficar na oposição, vamos fazê-lo com as nossas cabeças levantadas até derrubarmos este governo perigoso“, garantiu.
Com quatro eleições em dois anos, Israel vive um momento de grande instabilidade política. Os recentes protestos causados pelo escândalos de corrupção têm posto em causa a permanência do ex-primeiro-ministro na liderança do Likud e a recente escalada de violência com o Hamas são mais sinais da fragmentação na sociedade israelita. Resta saber se o novo governo vai conseguir unir-se para fazer frente a estes desafios.