No Japão, onde só há aborto se o marido autorizar, hospital cria berçário público para evitar infanticídio

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Um hospital no sul do Japão, um dos 11 países do mundo que exige às mulheres uma autorização escrita do marido para poderem abortar, criou uma berçário aberto ao público, que lhes permite entregar os recém-nascidos para adoção, de forma anónima.

O Hospital Jikei, em Kumamoto, é um dos poucos portos seguros para as mulheres com gravidezes indesejadas. O berçário em questão abriu em 2007 e, desde então, 161 mulheres deixaram no local os seus filhos – uma média de quase um por mês.

De acordo com um artigo do Washington Post, que cita o Ministério da Saúde japonês, houve em 2020 cerca de 140 mil abortos no país. Cada um deles terá custado entre 700 e 2900 euros, disse Takeshi Hasuda, diretor do Hospital Jikei.

Embora o aborto seja legal no país asiático, desde 1948 as mulheres são obrigadas a apresentar uma autorização escrita por parte do marido para o poderem fazer. Além disso, só pode ser realizado com recurso a uma cirurgia dispendiosa. Em 2013, o Ministério da Saúde esclareceu que a lei não se aplicava aos não casados e, em 2021, retirou da regra as mulheres casadas que eram vítimas de violência doméstica.

Contudo, muitos hospitais continuam a solicitar esse requisito às mulheres solteiras. O aviso do Ministério da Saúde não é vinculativo e permite que as clínicas criem as suas próprias práticas e preços para a realização de abortos, disse Kumi Tsukahara, membro da Action for Safe Abortion Japan, um grupo de defesa da saúde reprodutiva.

Essa realidade leva a casos de abandono de recém-nascidos em locais públicos, acabando estes para morrer. Foi para impedir esse tipo de situação que o Hospital Jikei criou o berçário público.

Apesar de ser uma das sete economias mais avançadas do mundo, o Japão ocupa uma posição baixa no que diz respeito à igualdade de género, tendo adotado as pílulas anticoncecionais somente em 1999, após 44 anos de debate. Contudo, nesse mesmo ano, o Viagra foi aprovado em apenas seis meses.

Nos últimos anos, o uso da pílula no país tem rondado os 3%, revelou um relatório das Nações Unidas de 2019, situação atribuída à falta de sensibilização e educação e ao estigma social. Já as pílulas do dia seguinte são caras e só vendidas mediante receita médica.

O Japão pondera agora a venda desses comprimidos, mas, segundo o artigo do Washington Post, funcionários de saúde já indicaram que ainda será necessário o consentimento escrito por parte do marido, estimando-se que possam custar cerca de 700 euros.

“O aborto é muito caro e o acesso a hospitais difícil”, por isso, “ano após ano”, aumenta o número de mulheres “que dão à luz em casas de banho e depois abandonam ou matam” os bebés, disse em maio a deputada Mizuho Fukushima. Em 2018, houve 28 casos de infanticídio de crianças com menos de 1 ano, sete no dia em que nasceram, informou o Ministério da Saúde. Este ano, já são pelo menos seis.

Além de tentar evitar casos como esses, o Hospital Jikei acolhe mulheres que acabam por regressar a casa com o bebé quando tomam conhecimento dos apoios do governo. Em dezembro de 2021, começou ainda a realizar partos anónimos e, desde então, três bebés nasceram sem que se tenha registado o nome da mãe.

“Há muitas [mulheres] no Japão que estão grávidas e isoladas, incapazes de receber ajuda, com medo que outros descubram a sua gravidez. Para estas pessoas, especialmente, nós somos o seu último recurso”, concluiu Hasuda.

Entre os países que solicitam o consentimento escrito dos maridos para a realização do aborto estão a Síria, o Iémen, a Arábia Saudita, o Kuwait, a Guiné Equatorial, os Emirados Árabes Unidos, Taiwan, a Indonésia, a Turquia e Marrocos, informou a organização internacional Center for Reproductive Rights. Em 2020, a Coreia do Sul aboliu essa exigência, mas os ativistas dizem que alguns médicos ainda a solicitam.

Taísa Pagno //

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