Minerais críticos: o Congo declarou guerra à Apple

A República Democrática do Congo acusa a Apple de usar minerais provenientes de mineração ilegal, e de fazer propaganda enganosa sobre as suas cadeias de abastecimento.

Os metais críticos estão no centro do iPhone. Um único smartphone, por exemplo, pode conter até dois terços de todos os elementos da tabela periódica.

Numa queixa criminal apresentada na semana passada, a República Democrática do Congo acusou a Apple de utilizar esses minerais provenientes de minas ilegais no país, nomeadamente estanho, tântalo, tungsténio e ouro.

Os funcionários da ONU afirmaram que algumas das minas em questão são exploradas por grupos armados envolvidos em massacres da população civil, agressões sexuais generalizadas, pilhagens desenfreadas e outros crimes.

“O objetivo é mostrar aos consumidores que o produto que têm nas mãos está manchado por crimes internacionais”, disse à Deutsche Welle o advogado belga Christophe Marchand, que preparou o processo da RDC contra a Apple.

“Práticas comerciais enganosas”

A RDC acusa especificamente as subsidiárias francesas e belgas da Apple de contrabandearem matérias-primas congolesas através do Ruanda.

Para além do “branqueamento de minerais provenientes de zonas de conflito”, uma das queixas apresentadas pelos advogados em nome do Ministério da Justiça da RDC acusa a empresa de empregar “práticas comerciais enganosas para garantir aos consumidores que as cadeias de abastecimento são limpas”.

O objetivo da ação judicial é “confrontar indivíduos e empresas envolvidos na cadeia de extração, aquisição e comercialização de recursos naturais e minerais saqueados na RDC”.

A Apple emitiu, entretanto, uma longa declaração em sua defesa: “Contestamos veementemente estas alegações. Os nossos fornecedores obedecem aos mais elevados padrões da indústria. Com a escalada do conflito na região no início deste ano, notificámos os nossos fornecedores de que as suas fundições e refinarias deveriam suspender o fornecimento de estanho, tântalo, tungsténio e ouro provenientes da RDC e do Ruanda.

“Tomámos esta medida porque estávamos preocupados com o facto de já não ser possível que os auditores independentes ou os mecanismos de certificação da indústria realizassem a devida diligência necessária para cumprir os nossos elevados padrões.”

De acordo com a Apple, a empresa não compra os seus minerais primários diretamente, mas sim a fornecedores auditados. O Relatório sobre Minerais de Conflito 2023 da Apple afirma que “não foi encontrada nenhuma base razoável” para que as cadeias de fornecimento da empresa tenham financiado ou beneficiado “direta ou indiretamente” grupos armados na RDC ou num país adjacente.

Padrões da Apple postos em causa

Muitas organizações estão cépicas quanto à eficácia dos mecanismos de controlo da Apple. O Grupo de Peritos da ONU sobre a RDC revelou que o ouro extraído no país passa ilegalmente pelo Ruanda e pelo Uganda antes de ser exportado.

“Sabe-se que há refinarias nestes países que são abastecidas com matérias-primas como o ouro da RDC”, disse Emmanuel Umpula, diretor executivo do Observatório Africano dos Recursos Naturais (AFREWATCH), que denuncia o papel do Ruanda e do Uganda neste comércio de minerais.

Embora as autoridades ruandesas neguem que o país seja cúmplice, os comerciantes de Bukavu dizem que o ouro do Kivu do Sul é frequentemente vendido a compradores sediados em Kigali ou Cyangugu, no Ruanda.

“A extração ilegal de matérias-primas no leste da RDC é uma das razões pelas quais a guerra continua. É um sistema predatório de pessoas que querem que o conflito continue para poderem saquear os recursos minerais”, disse Umpula.

Umpula disse ainda que os comerciantes geralmente levavam os minerais para países como a China, primeiro para encobrir o seu rasto. Os minerais são depois processados nesse país antes de serem entregues a empresas como a Apple.

A gigante tecnológica norte-americana afirma estar a utilizar cada vez mais recursos reciclados. De acordo com a Apple, 99% do tungsténio e 100% do cobalto para as baterias da série de produtos iPhone 16 são reciclados.

A empresa afirma que a sua política inclui o financiamento de instituições que se esforçam por melhorar a rastreabilidade das matérias-primas. De acordo com a Apple, o apoio a iniciativas regionais que ajudam comunidades afetadas por conflitos também foi alargado.

População cética

Hypocrate Marume, membro do Comité Consultivo da Sociedade Civil na província de South Quivu, disse à DW que a guerra contra a Apple é bem-vinda. Ele está otimista de que, a longo prazo, isso ajudará a pôr fim às violações dos direitos humanos na RDC.

“Isto é um alívio”, disse Marume. “É por isso que estamos a pedir a todas as organizações da sociedade civil que apoiem os nossos advogados. Para que possamos ter acesso a reparações pelos danos que estes grupos já causaram em conluio com os rebeldes.”

Um ativista ambiental que pediu para não ser identificado disse à DW que as empresas e os grupos armados não são os únicos culpados por este tipo de comércio. Segundo o mesmo, as autoridades da RDC não estão a cumprir o seu dever de proteger a população e controlar os recursos do país. “Foram elas que emitiram as licenças para as empresas”, denunciou.

Umpula continua com esperança de que a ação judicial da RDC possa forçar as empresas multinacionais a olharem mais de perto para as suas cadeias de abastecimento. Cabe agora aos tribunais de França e da Bélgica decidir se serão iniciadas investigações, o que poderá abrir um precedente.

Estes dois países foram escolhidos devido à sua regulamentação contabilística mais rigorosa para incentivar a responsabilidade das empresas. Por outro lado, em março, nos Estados Unidos, um tribunal federal rejeitou uma tentativa de queixosos privados de responsabilizar a Apple, a Google, a Tesla, a Dell e a Microsoft pela utilização de trabalho infantil nas minas de cobalto da RDC.

Marchand, o advogado que intentou a ação, afirmou que ficou provado, sem margem para dúvidas, que os fornecedores da Apple obtêm matérias-primas de zonas de conflito. “O próximo passo é provar que a Apple sabe disso”, disse.

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